Em tempos idos entre 2003 e 2006, nas discussões sobre o futuro da humanidade no Café Aquário, em Pelotas, ou à boca pequena entre autoridades no Palácio Piratini, se tornou corriqueiro dizer que a Metade Sul iria virar floresta. Sabia-se que se tratava de uma metáfora, mas ainda havia dúvida sobre seu tamanho. O quanto os investimentos das gigantes da celulose Aracruz, Stora Enso e Votorantim seriam capazes de transformar o revestimento ondulante e ralo do pampa gaúcho?
Pois agora se sabe: é de 4,5%.
Esse número representa o quanto dos 11 milhões de hectares de estabelecimentos agrícolas da região deve estar ocupado por lavouras de eucalipto, pinus e acácia até 2011, de acordo com estimativa da Associação Gaúcha de Empresas Florestais (Ageflor). Se espera que sejam cobertos cerca de 500 mil hectares. Atualmente, as três empresas já ocupam 167 mil hectares com projetos de florestamento.
Se a Metade Sul não se fez selva, seu mapa agora abunda tufos de eucaliptos. No desenho do Estado no papel, os feixes aparecem bagunçados, sem nenhuma organização aparente, muito embora lá no solo, como nas fotos abaixo, as árvores pareçam plantadas com distância milimetricamente calculada, como vértices de milhões de retângulos imaginários.
Rossano Lazzaroto fez os seus retângulos em 2005. Fincou 33 mil mudinhas em 20 hectares da propriedade Guarda Velha, em Pinheiro Machado. Os pitocos de 20 cm já chegaram a 12 metros e continuam se mexendo rumo ao céu, cujo azul outrora soberano naquelas paragens já compete com um verde denso para quem olha de baixo.
Assim como a Metade Sul, a propriedade de Lazzaroto também não ficou toda cheia de eucaliptos. Os 20 hectares plantados são só 28,6% dos 70 da Guarda Velha. Quando desembarcou de Bento Gonçalves no sul do Estado em 2001, Lazzaroto queria fazer prosperar a viticultura da sua Serra ali no pampa. Não desistiu, mas aderiu também ao programa Poupança Florestal, da Votorantim Celulose e Papel (VCP). Guardou seis hectares para videiras imigrantes e o resto para a pecuária, tão familiar, há tanto tempo, daquele campo.
É uma pena que não dê para sintetizar em um percentual as mudanças de Pinheiro Machado e de seus 13 mil habitantes. De qualquer jeito, se pode dizer que só Lazzaroto emprega 300 pessoas, o equivalente a 2,3% da população local, pelos negócios com a VCP. E a Secretaria de Indústria e Comércio da cidade fez uma tabela para mostrar os negócios brotados desde a chegada da empresa: um hotel, um restaurante, duas farmácias, três lojas, uma construtora e mais alguns, sem falar na padaria Tio Joaquim. Juntos, eles empregam mais 141 pessoas, outro 1% de pinheirenses.
- De três anos para cá, o movimento triplicou aqui - conta Neuza Feira, funcionária do Bar e Hotel Quitandinha. Por acaso o filho, Mauro, presta serviço para a VCP.
Casos parecidos pipocam na parte dos 104 municípios da Metade Sul em que o eucalipto forma seus retângulos.
(Zero Hora, 30/03/2008)