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desmatamento da amazônia transporte rodoviário
2008-04-01

A BR-319, uma estrada construída há 35 anos no coração da Amazônia e hoje intransitável devido ao abandono, desata uma batalha entre ambientalistas e autoridades brasileiras, decididas a reconstruí-la. Por um lado, defende-se a integração econômica entre o centro amazônico e o centro-sul do Brasil, com muitos benefícios para a população local. Por outro, alerta-se sobre mais desmatamento e novas ondas migratórias para a cidade de Manaus, já sufocada por problemas urbanos e aumento de conflitos agrários.

A polêmica ampliou-se com a proposta de substituir a estrada por uma ferrovia, que já conta com um estudo preliminar de viabilidade econômica e desmatamento muito menor, segundo Virgilio Viana, que defendeu a alternativa quando foi secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado do Amazonas, cargo que deixou no dia 3 deste mês, para dirigir a Fundação Amazônia Sustentável. A estrada de 885 quilômetros une Porto Velho, capital do Estado de Rondônia, que limita com o norte da Bolívia, e Manaus, capital do Amazonas, Estado de maior extensão de florestas preservadas no Brasil.

Sua recuperação e pavimentação deverão terminar em 2011, garante o Ministério dos Transportes, cujo titular, Alfredo Nascimento, foi prefeito de Manaus entre 1997 e 2004. O custo é estimado em R$ 700 milhões. A ferrovia custaria quase três vezes mais, mas evitaria emissões de gases causadores do efeito estufa – responsáveis pelo aquecimento global – ao reduzir grande parte do desmatamento, e isso permitiria obter grandes créditos no mercado internacional de emissões de carbono, disse Viana ao Terramérica.

O desmatamento provocado pela rodovia chegaria a 168 mil quilômetros quadrados até 2050, uma extensão comparável à do Uruguai, segundo estudo de um grupo de pesquisadores encabeçado por Britaldo Soares, da Universidade Federal de Minas Gerais. Além disso, uma estrada de ferro gastaria muito menos combustível e, portanto, reduziria ainda mais os gases que provocam o efeito estufa, acrescentou Mariano Cenamo, secretário-executivo do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável de Manaus. O trem é deixado de lado no Brasil há décadas, mas deveria servir de eixo para as exportações amazônicas e a integração sul-americana, acrescentou.

Porém, a alterntiva da ferrovia “não se concretizará”, afirmou o governador de Rondônia, Ivo Cassol, em entrevista por telefone ao Terramérica. É um bom meio de transporte, mas não para este caso, onde se busca melhorar as condições de vida da população local e permitir que a produção dos pequenos agricultores chegue ao grande mercado de Manaus, acrescentou. Os que mais se opõem à recuperação da BR-319 são os empresários do transporte fluvial, que não querem competidores em uma Amazônia atravessada por grandes rios. Porém, os rios são um meio para “grandes cargas”, com as de soja exportada. “Não serve para a banana e outros produtos hortifrutigranjeiros”, porque demora até nove dias para chegar a Manaus, disse o governador.

Rondônia, um Estado que vive da agricultura e pecuária, tem de ampliar seus acessos a mercados e industrializar sua matéria-prima. “As dez mil peças de couro que produz diariamente poderiam gerar 70 mil empregos na indústria do calçado”, acrescentou Cassol. A população de Rondônia cresceu consideravelmente desde a década de 70, absorvendo muitos recém-chegados do sul em projetos de desenvolvimento agrícola promovidos pelo governo brasileiro. O resultado ambiental foi dramático: hoje é um dos Estados mais desmatados da Amazônia. Conta com 1,5 milhão de habitantes e sua capital concentrava 370 mil habitantes o ano passado.

Manaus, com seus 1,7 milhão de habitantes atraídos por sua Zona Franca industrial, representa um grande mercado especialmente para produtos hortifrutigranjeiros, escassamente produzidos nos arredores. Por outro lado, sua indústria se interessa em abrir uma nova opção de transporte para seus produtos rumo ao centro-oeste do país. Cassol disse que não se deve fazer drama quanto aos danos ambientais gerados pela rodovia. Com ela “será mais fácil preservar” a selva, ao permitir melhor acesso a ela e baratear o custo do controle, afirmou.

Além disso, não se trata de abrir uma nova estrada, mas de restabelecer as condições que já tinha nos anos 70. “Eu transportava banana de Rondônia para Manaus com meu caminhão desde 1977, saía às seis da manhã e chegava por volta das sete da noite”, recordou o governador. O que falta é “estabelecer as regras do jogo” para impedir danos ambientais, disse Cassol, um imigrante da região sul que se tornou empresário do agronegócio e dono de pequenas centrais hidrelétricas. E também – prosseguiu – que “Estados Unidos, Europa e organismos internacionais não façam apenas discursos demagógicos” em defesa da preservação amazônica e “dêem recursos para compensar os proprietários de terras que conservam suas florestas, com se faz na Costa Rica”, disse Cassol.

Entretanto, os ambientalistas prevêem que se repetirá o desmatamento provocado por outras estradas na parte oriental da Amazônia. A devastação aumenta porque são abertos novos caminhos laterais ao longo da via principal, em um efeito de “espinha dorsal”, dizem organizações e pesquisadores ambientais. “Questionamos a escolha da estrada” sem considerar outras alternativas para o transporte amazônico, que incluem também o multimodal, disse ao Terramérica o ativista Mario Menezes, diretor-adjunto da Amigos da Terra-Amazônia Brasileira, outra organização não-governamental envolvida no debate.

O governo pavimenta outra rodovia, a BR-163, a leste da BR-319, que une o centro-oeste com o porto de Santarém, pelo qual se chega a Manaus pelo largo e profundo Rio Amazonas, recordou Menezes. Essa rota também integra Manaus ao centro-sul do país, sem novas ameaças às florestas. Porém, “a ligação entre Manaus e Porto Velho é inevitável”, diante da decisão do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva de incluir a BR-319 em seu Programa de Aceleração do Crescimento como obra prioritária para a infra-estrutura nacional, e por isso a ferrovia deve ser defendida como alternativa viável e ambientalmente menos prejudicial, concluiu Cenamo.
As obras de recuperação já começaram nos trechos da rodovia que se mantinham transitáveis, perto de Manaus e de Porto Velho. Mas os quase 600 quilômetros a serem reparados no centro da estada requerem autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, depois de um estudo de impacto ambiental. A polêmica continuará.

(Por Mario Osava*, Envolverde/Terramérica, 29/03/2008)
* O autor é correspondente da IPS.

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.


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