"Deitada em sua cama, Dorothy puxou o mosquiteiro bem próximo a si e tentou se preparar para dormir. Sentia-se cansada e velha, e suas costas doíam. Sentiu-se subitamente só. E com medo". Este é um trecho do livro The greatest gift. Escrito por Binka Le Breton, uma estadunidense que vive no Brasil há 18 anos protegendo as matas, a obra conta a história da religiosa que lutou tanto conta o trabalho escravo no Brasil e acabou assassinada a mando de um grupo de fazendeiros do Piauí.
Nesta entrevista que segue, realizada por telefone, Binka fala como surgiu a idéia de escrever a biografia de Dorothy Stang, das primeiras repercussões da história e da luta contra o trabalho escravo. "Antes do enterro dela, o corpo ficou na igreja e uma das irmãs se aproximou e ouviu um camponês falando com Dorothy - já morta, mas como se fosse viva - dizendo: ‘Irmã Dorothy, pode ficar tranqüila que nós não estamos enterrando a senhora, nós estamos plantando’", contou-nos.
Binka Le Breton é pianista erudita e veio ao Brasil para defender nossas matas. Ela mora numa fazenda na Mata Atlântica e é presidente da Sociedade Amigos de Iracambi, diretora do Centro de Pesquisas Iracambi e palestrante e interlocutora de rádio internacional sobre a conservação das matas tropicais. Confira a entrevista:
Como surgiu a idéia de escrever The greatest gift e que repercussões o livro tem surtido?Binka Le Breton - Eu vivo há quase 19 anos no Brasil e já tinha feito vários livros sobre a Amazônia. Parti para outros assuntos, como direitos humanos. Quando ouvi falar da morte da Irmã Dorothy, fiquei muito interessada pelo assunto e decidi pesquisar a vida dela. O livro ainda não saiu no Brasil; sairá no início de maio. A única repercussão no Brasil foi a publicação de um exemplar no estado de São Paulo e eu ainda não sei que tipo de repercussões ele gerou. Mas, no nível internacional, tem gerado bastante debate, pelo fato de ela ter sido uma mulher, uma religiosa, uma pessoa já de idade um pouco avançada e por ter trabalhado na Amazônia, área de grande interesse para mundo inteiro em razão das mudanças climáticas.
Que tipo de reações a senhora espera levantar a partir deste livro?Binka Le Breton - Nós sempre ouvimos histórias ruins, notícias ruins e nos falta ouvir histórias inspiradoras. A história dessa mulher que deixou tudo por convicção e por amor aos pequenos nos toca muito e creio que seja capaz de tocar mais pessoas ainda.
Qual é a importância de estudarmos a vida de irmã Dorothy Stang?Binka Le Breton - Acredito que seja importante para todos nós, brasileiros ou não. Para mim, o importante é o fato de uma pessoa aparentemente normal ser capaz de mudar todo um cenário por uma determinada escolha de vida. A lição que ela nos deixa é a de que é possível mudar a auto-estima de pessoas tradicionalmente com baixo auto-estima, como os colonos, as pessoas abandonadas no meio do mato. E o trabalho que ela fez junto com eles fez com que essas pessoas se sintam ainda hoje valorizadas. Elas, muitas vezes, comentaram comigo como: "Eu era mulher, analfabeta, valia nada, mas agora sei que sou ser humano". Isso é fantástico, não é?
Quando começou o seu envolvimento com as questões das matas brasileiras?Binka Le Breton - Eu comecei a me interessar quando me mudei para o Brasil. Vivo na Mata Atlântica e, então, me interessa muito a questão da conservação das matas e de direitos humanos das pessoas que moram nas florestas.
A senhora veio dos Estados Unidos para lutar contra o trabalho escravo e defender as matas brasileiras. Em sua opinião, por que o povo brasileiro não está junto nessa causa?Binka Le Breton - Pelo menos uma pequena parte do povo está junta. Acredito que a maioria não sabe e não se interessa pela questão do trabalho escravo. Mas há muitas pessoas que sabem e lutam contra isso. Também há muitas que estão começando a se interessar por essa questão. A meu ver, a melhor estratégia é unir a questão ecológica com a questão dos direitos humanos e aí sim você conseguirá tocar as pessoas.
Qual é a sua opinião sobre o trabalho do governo pela erradicação do trabalho escravo no Brasil?Binka Le Breton - Isso é uma luta antiga, iniciada na era do Fernando Henrique. O governo Lula diz que é uma das prioridades do seu governo e continuou o trabalho iniciado no governo anterior. Agora, eu estou vendo algumas dicotomias, porque o Programa de Aceleração do Crescimento - PAC incentiva o agronegócio e isso entra em conflito com a questão do trabalho escravo. O governo tem boas intenções, mas não sei se estão sendo efetivas.
A senhora já vivenciou alguma situação de violência gerada pelo debate da terra e do trabalho escravo?Binka Le Breton - Violência é um conceito muito vasto, porque a violência abrange desde assassinatos até um governo que abandona um povo e uma sociedade que não ajuda os pobres. Existem vários níveis de violência. Mas a violência violenta mesmo é claro que a percebemos, por exemplo, nos conflitos pela terra. Toda idéia de fazer uma pessoa como escrava não é somente ilegal, mas extremamente violenta, porque você está privando essa pessoa da liberdade, a coisa mais importante que existe.
Em sua opinião, o que significou a morte da irmã Dorothy Stang para a região e para o trabalho escravo no Brasil?Binka Le Breton - Antes do enterro dela, o corpo ficou na igreja e uma das irmãs se aproximou e ouviu um camponês falando com Dorothy - já morta, mas como se fosse viva - dizendo: "Irmã Dorothy, pode ficar tranqüila que nós não estamos enterrando a senhora, nós estamos plantando". Então, quando uma liderança morre, o trabalho cai um pouquinho, mas, no caso da Dorothy, seu trabalho continua sendo conduzido pelas mulheres e crianças que ela atendeu. Ela morreu, mas seu trabalho continua. Isso é inspirador!
(IHU - Unisinos * /
Adital, 27/03/2008)
* Instituto Humanitas Unisinos