Temor é a consolidação dos grandes latifúndios e o aumento na devastação da floresta
Nesta semana, foi assinada pelo presidente Lula a Medida Provisória que permite a regularização de até quinze módulos rurais (1.500 hectares) na Amazônia Legal, com dispensa de licitação. Essa nova regulamentação permitirá legalizar mais de 90% de terras públicas hoje na mão de posseiros. Ambientalistas alertam, no entanto, que essa medida pode resultar na consolidação de grandes latifúndios e na promoção do desmatamento.
– Ela é apenas uma forma rápida de solucionar um problema gerado nas gestões anteriores. Mas, se o governo não for ágil, pode surtir um efeito contrário – revela Paulo Barreto, coordenador do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).
Segundo Roberto Smeraldi, diretor da OSCIP Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, a MP pode consolidar um feito inédito no país: a privatização do patrimônio público da Amazônia.
– Essa nova regulamentação vai injetar no mercado milhares de terras públicas para especulação, gerando papéis de bens públicos em favor de particulares. Ela pode criar um pano de fundo para a entrega maciça de terras – argumenta.
Para Smeraldi, há também o risco da existência de grandes latifúndios.
– Mil e quinhentos hectares é propriedade de grandes fazendeiros. Tradicionalmente, na Amazônia, cada indivíduo de uma mesma família tem um pequeno pedaço de terra, mas na prática é tudo uma mesma fazenda, da família. A MP abre caminho para regularizar concentrações de terras, criando mega-fazendas. Ao invés de garantir o controle público das terras, o governo faz o contrário – aponta.
Para o presidente do Iterpa (Instituto de Terras do Pará), José Eder Benatti, o temor em relação ao latifúndio é válido. Entretanto, Benatti acredita que é uma medida importante, e que pior seria manter a situação como está.
– Hoje não existe controle, o posseiro desmata, usa os recursos da terra, e quando chega a fiscalização simplesmente vai embora para explorar outras terras – diz.
Desmatamento
Outra preocupação dos especialistas é o aumento da devastação da floresta. Segundo Smeraldi, essa medida vai na contra-mão das atuais políticas de combate ao desmatamento do governo federal, por regularizar os exploradores. Paulo Barreto concorda que a medida pode dar mais fôlego para a ocupação desenfreada na Amazônia, mas acredita que a MP pode ajudar a conter o desmatamento.
– Se o governo for rápido, ele vai conter o desmatamento, pois aqueles que desmatam usam a terra gratuitamente. Com a terra regularizada, essas pessoas teriam que pagar, diminuindo o estímulo em desmatar devido a um custo maior – argumenta.
Barreto explica que já há uma situação de pessoas que têm terras de mais de 1.500 hectares.
– O governo só está dando um "sim" para algo que já existe. Se for rápido e estruturado, a situação vai melhorar – diz ele.
Entretanto, alerta que atualmente não existem condições para agir rapidamente.
– Baseado na minha experiência na região, acho que o poder público não tem estrutura para regularizar em tempo hábil – lamenta Barreto.
Para Benatti, a regularização facilita a fiscalização e o controle ambiental das terras na região.
– Com o título da terra, o proprietário terá deveres, como fazer o georreferenciamento, o estudo dos passivos ambientais – Além disso, acredita que facilita no resgate de terras públicas utilizadas indevidamente – Existe na Amazônia gente reivindicando mais de 10 mil hectares. Com essa nova regulamentação, que no caso do Pará permitirá no máximo mil hectares, ficará mais fácil para o poder público resgatar o restante.
Histórico
A Medida Provisória nº 422, de 25 de março de 2008, é uma nova redação da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e institui normas para licitações e contratos da administração pública. Em 1993, a Lei permitia a regularização de posse de até um módulo rural sem licitação. A área do módulo varia em cada município e pode chegar a no máximo 100 hectares. Em 2004, ela foi alterada e passou a ser de até 5 módulos.
Nesta semana, com a assinatura da MP, o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) pode permitir a posse de terras de até quinze módulos rurais na Amazônia Legal.
– Há outro detalhe importante nesta Lei: ela permite a posse somente se for comprovada a existência da cultura e não do manejo ou do uso. Isso significa que aqueles que são extrativistas serão penalizados – diz Smeraldi.
(ClicRBS, 28/03/2008)