Trabalhadores dormiam em cima de sacos e bebiam água armazenada em galões que originalmente continham agrotóxicos. Para advogado de empregador, houve abuso e condição do alojamento não era tão ruimPrincípios de reciclagem faziam parte da vida dos trabalhadores da Fazenda Guarani, localizada no município de São Desidério (BA), no Oeste do estado de um modo sui generis. Aqueles que não tinham colchonetes - comprados no comércio mantido irregularmente pelo próprio "gato" (contratante da empreitada) - dormiam no chão ou em cima de sacos plásticos "big bags" jogados pelo galpão vazio construído para armazenar algodão. E galões que originalmente continham agrotóxicos eram utilizados para estocar a água para beber levada para as frentes de trabalho.
Quando a fiscalização chegou ao local, não encontrou todos os trabalhadores. Coordenadora da equipe, a auditora fiscal Virna Damasceno suspeita que o fazendeiro, ao tomar conhecimento antecipado da ação do grupo móvel, providenciou a retirada antecipada de uma parte do grupo da Fazenda Guarani. Mais tarde, os trabalhadores foram encontrados na cidade de São Desidério, e o vínculo de trabalho foi assumido pelos próprios advogados do empregador.
Segundo Virna, o grupo era remunerado de acordo com a produção e muitos tinham dívidas no comércio ilegal mantido pelo "gato", que vendia cigarros, bolachas e diversos artigos de higiene pessoal. Tudo era anotado num caderno - que foi apreendido pela fiscalização - para ser depois descontado do salário.
"Os mais antigos tinham recebido alguma coisa. E os outros ainda não. Mas os pagamentos estavam abaixo do que eles deveriam ganhar", informa a auditora. Ao verificar o congelador da fazenda, o grupo móvel encontrou carne estragada, que seria supostamente fornecida aos trabalhadores.
Nas frentes de trabalho, não havia mesas ou cadeiras na sombra: os trabalhadores comiam no chão, ao sol, em meio às fileiras de algodão. "A fazenda tem pelo menos dois mil hectares de algodão plantados e tem estrutura para oferecer melhores condições aos trabalhadores", lamenta Virna.
O dono da Fazenda Guarani é Belmiro Catelan, sócio do grupo Catelan, que planta soja, milho e algodão. Belmiro é originário da região das Missões, no Rio Grande do Sul, onde também planta e mantém comércio. Durante a fiscalização, porém, Jair Donadel se apresentou como responsável pelo contrato. "Ainda estamos investigando quem é o empregador", explica a procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT) Denise Lapolla, que integra o grupo móvel.
Água consumida por trabalhadores era estocada em embalagens de agrotóxico (Foto: Divulgação MTE)
Um dos advogados que representa o dono da fazenda (e acompanhou a ação fiscalizatória) explicou que Jair tem um contrato de parceria rural com Belmiro: uma espécie de sociedade. Por isso, Jair teria sido, de fato, o responsável pela contratação dos trabalhadores.
Ele ressaltou que algumas pessoas não tinham sido registrados porque não tinham documentos. "Contratou até para não deixar as pessoas sem emprego", justifica. "Agora, depois dessa fiscalização, 27 pessoas ficaram desempregadas. Pessoas que estavam ganhando bem, mais de R$ 600,00 por mês", declarou, por telefone.
Para o advogado, houve abuso por parte da fiscalização. "Havia melhorias que precisam ser feitas, mas a fiscalização classificou o alojamento como inabitável. E isso não é verdade. A condição de vida dos trabalhadores onde eles moram é mais degradante do que no alojamento".
Jair Donadel desembolsou R$ 66 mil, sendo R$ 27 mil de danos morais individuais a cada um dos trabalhadores, além das verbas rescisórias. Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi assinado entre o empregador e o MPT. No documento, Jair se compromete a melhorar as condições de alojamento, alimentação e de trabalho oferecidas. Além disso, será feita uma doação para a reforma de uma escola municipal no distrito de Roda Velha, onde se localiza a Fazenda Guarani. A procuradora Denise Lapolla relata que a unidade escolar possui 600 estudantes e está em condições ruins.
A mesma equipe fiscalizou também a Fazenda Sertão Verde, no mesmo distrito de São Desidério. Os trabalhadores estavam saindo da fazenda porque, segundo Virna Damasceno, o serviço de carpir o mato que circunda o algodão tinha terminado. Mesmo assim foi firmado um TAC para que algumas irregularidades encontradas nas instalações locais fossem consertadas. Além disso, uma doação dos donos da fazenda para o hospital local ficou acertada entre as partes.
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Repórter Brasil, 28/03/2008)