RIO DE JANEIRO – Uma manifestação com cerca de 300 trabalhadores rurais e militantes dos movimentos sociais fluminense, mineiro e capixaba ocupou na quarta-feira (26/03) a entrada da sede do BNDES no Rio de Janeiro para protestar contra a política de financiamento do banco. Representantes de organizações como o MST, a Contag, o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e a Rede Alerta Contra o Deserto Verde, entre outras, divulgaram durante a manifestação uma carta aberta ao BNDES, na qual criticam a concessão de dinheiro público para financiar as monoculturas da soja, da cana e do eucalipto que “contribuem para a destruição da Mata Atlântica, do Cerrado e da Amazônia”.
Uma comissão com oito representantes dos movimentos sociais foi recebida pelo diretor de Inclusão Social do BNDES, Élvio Gaspar, e pelo superintendente de Responsabilidade Social e Ambiental do banco, Ricardo Henriques. Após ouvir de seus interlocutores que diversas empresas financiadas pelo banco contribuem para a exclusão social e para a degradação do meio ambiente, os dirigentes do BNDES se comprometeram a trabalhar para a criação de uma “cláusula socioambiental” que esteja presente em todos os contratos firmados. Essa cláusula seria feita nos moldes da Cláusula Social, criada pelo banco no ano passado para impedir o financiamento a empresas envolvidas em denúncias de racismo, preconceito de gênero, trabalho escravo e trabalho infantil.
A direção do banco se comprometeu a criar um grupo de trabalho para elaborar a “cláusula socioambiental” ainda este ano. A promessa agradou aos movimentos: “Avançamos na discussão sobre a criação de um mecanismo que impeça o financiamento a projetos ou empresas que agridam o meio ambiente. A cláusula socioambiental deverá ser usada tanto previamente quanto durante a execução dos contratos, que poderão ser interrompidos”, afirma Sérgio Ricardo de Lima, que é dirigente da Rede Alerta Contra o Deserto Verde no Rio e integrou a comissão recebida pela direção do BNDES.
Outro ponto levado ao conhecimento do BNDES foi o repúdio dos movimentos sociais ao eventual financiamento de R$ 1 bilhão à empresa Aracruz Celulose para que esta se instale no Rio de Janeiro. A direção do banco, no entanto, afirmou que até agora nenhum pedido de financiamento feito pela Aracruz chegou ao conhecimento do Conselho de Crédito do banco: “Nós procuramos mostrar ao BNDES que, se financiar a Aracruz e os conhecidos danos sociais e ambientais trazidos pela empresa, o banco viverá uma profunda contradição entre a política socioambiental divulgada publicamente e sua prática”, conta Sérgio Ricardo.
A mobilização contra a Aracruz chegará também à Justiça. Nos próximos dias, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) movida pela Contag, com o apoio das demais organizações, será protocolada no Tribunal Regional Federal (TRF) para tentar anular a lei, aprovada em junho do ano passado pelos deputados do Rio de Janeiro, que criou regras para facilitar a introdução da silvicultura nas regiões Norte e Noroeste do estado.
Uma nova reunião entre os representantes dos movimentos sociais e a direção do BNDES foi marcada para o dia 4 de abril. Até lá, o banco pretende consolidar algumas propostas para a construção de uma agenda de financiamento para pequenos projetos ligados à agricultura familiar, além de avançar na discussão sobre a criação da “cláusula socioambiental”.
A abertura do diálogo com o banco foi comemorada pelos movimentos: “Percebe-se uma mudança na cultura do BNDES, fato que já possibilitou a criação da Cláusula Social no ano passado. Não se muda a posição de um gigante de uma hora pra outra, mas o canal de diálogo está aberto. Nesse sentido, o resultado da manifestação foi muito positivo”, avalia Sérgio Ricardo.
Veja as reivindicações feitas pelos movimentos sociais na carta aberta enviada ao BNDES:- A abertura de linha permanente de investimento do BNDES em agricultura familiar com cronograma definido, para financiamento e apoio a projetos e políticas públicas, tais como;
- Construção de agroindústrias de pequeno e médio porte sob gestão dos assentamentos e agricultores familiares organizados em associações e cooperativas de produção;
- Investimentos em pesquisa e tecnologia na área de agroecologia; e fortalecimento da assistência técnica rural de caráter público;
- Implantação de programas de fomento ao ensino rural e estruturação de escolas agrícolas agroecológicas nos principais municípios predominantemente agrícolas.
- Apoio ao cooperativismo agrícola e a implantação de empreendimentos cooperados.
- Desenvolvimento de programas de recuperação das áreas degradadas e das matas ciliares (principalmente aquelas degradadas por projetos industriais financiados pelo próprio BNDES);
- Investimentos em infra-estrutura para a produção agrícola de gêneros alimentícios saudáveis;
- Apoio à construção de micro-usinas para produção de agrocombustíveis a partir do óleo vegetal, dentro da diversidade da produção, visando à soberania energética para os agricultores;
- Financiamento de projetos e programas destinados à reconversão das terras indígenas que foram retomadas por decisão da Justiça Federal da Aracruz Celulose, em Aracruz (ES) com base em sistemas produtivos agroflorestais, do cooperativismo e da Economia Solidária;
- Realização de Auditorias socioambientais independentes (a serem realizadas por universidades e centros de pesquisa públicos, etc) em todos os empreendimentos financiados pelo BNDES, com garantia de ampla divulgação destes estudos e compromisso de reparação dos impactos provocados, bem como seu envio para tomada de providências por parte dos Ministérios Públicos Estadual e Federal (Procuradoria Geral da República);
- Exige-se que o BNDES se comprometa a realizar audiências públicas com a população dos territórios e nos municípios e regiões onde se prevê a implantação de grandes projetos privados financiados ou em via de financiamento pelo Banco.
(Por Maurício Thuswohl,
Agencia Carta Maior, 27/03/2008)