Duas em cada três pessoas em todo o mundo correm o risco de ficar sem água até 2025. O alerta é da Tearfund, uma organização não-governamental da Grã-Bretanha. A ONG publicou relatório semana passada sobre escassez de água nos países em desenvolvimento.
Para debater a questão, a Frente Parlamentar Ambientalista promove a Semana da Água. De olho na água é o tema deste ano. A idéia da Frente é promover um grande debate sobre o gerenciamento dos recursos hídricos e ampliar, na sociedade, a conscientização sobre as ameaças de escassez de água, situação que milhões de pessoas já enfrentam em muitos países, inclusive no Brasil. Comemora-se em 22 de março o Dia Mundial da Água. A data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1993.
A situação é caótica e preocupante na Amazônia. Toda a bacia hidrográfica do rio Amazonas, que abrange vários países além do Brasil, contém 70% da disponibilidade mundial de água doce e é formada por mais de mil rios. Mas essa presença exuberante e essencial está ameaçada. O Brasil detém 20% de toda a água dodce do mundo.
Poluição, assoreamento e o desmatamento são hoje a causa da morte de rios outrora perenes. É o caso do Xingu (MT), Negro (AM) e Rio Acre (AC). O primeiro, no entanto, já foi socorrido. Há três anos, um grupo de pessoas e ONGs lançaram — inclusive com a ajuda da modelo Giselle Bündchen — a campanha Y Ikatu Xingu (água limpa e boa na língua Kamaiurá). A proposta é recuperar nascentes e matas ciliares (as que margeiam os cursos dágua) do rio Xingu.
A mesma sorte não teve o rio Negro, no Amazonas. Continua sendo depósito de dejetos e esgotos in natura produzido pelas cidades localizadas às suas margens. Em 2005, a situação complicou-se ainda mais. Uma forte estiagem — a maior dos últimos 103 anos — atingiu o leste do Amazonas, quando alguns rios chegaram a baixar seis centímetros por dia. Milhões de peixes apodreceram e morreram (foto abaixo) nos leitos de afluentes do Amazonas que serviam de fonte de água, alimentos e meios de transporte para comunidades ribeirinhas.
O rio Acre é outro importante rio da Amazônia que morr a cada ano. Mesmo diante do alerta dos cientistas, o governo local não toma nenhuma medida para evitar sua morte definitiva. Estudos apontam que, devido à poluição e ao assoreamento, o rio Acre deve acaba em, no máximo, 15 anos. Diariamente, o rio recebe milhões de metros cúbicos de esgoto in natura produzidos pelos quase 300 mil habitantes de Rio Branco, a capital do Acre.
Abundância e caos
Mesmo rico em água doce, o Brasil — aqui se concentram 20% de toda a água doce do planeta — vive um verdadeiro caos na distribuição de água potável para a população. Além de distribuir mal, o País não cuida corretamente desse recurso natural não renovável. A Amazônia e o Pantanal Matogrossense são exemplos.
Comunidades inteiras dessas regiões padecem de problemas de saúde causados pela contaminação, falta de saneamento básico, presença do mercúrio usado nos garimpos e ainda pelo uso indiscriminado de agrotóxicos próximo a áreas de mananciais. Tudo isso ocorre porque muitos, mesmo diante da necessidade de conter o desperdício, ainda acreditam que a água é um recurso natural ilimitado. Apenas 59,80% dos domicílios urbanos contam com rede de água tratada.
A abundância de água na Amazônia, muitas vezes imprópria ao consumo humano, se reflete em escassez em outras regiões. O Nordeste, por exemplo, possui apenas 3% de água doce. Em Pernambuco, existem apenas 1.320 litros de água por ano por habitante. A ONU recomenda um mínimo de 2 mil litros.
Há 11 anos, o Brasil criou a Lei nº 9.433/97, a chamada Lei das Águas, para proteger os mananciais brasileiros. Mas, infelizmente, a norma não é conhecida da maioria dos brasileiros. A lei nos orienta, por exemplo, que a água é um bem de domínio público e um recurso natural limitado, dotado de valor econômico, e estimula a criação de Comitês de Bacias. Esses comitês visam zelar pela boa utilização dos cursos d’água. Existem dois em funcionamento no País — um no rio do Paraíba do Sul, e outro, no rio São Francisco.
O consumo mundial de água cresceu duas vezes mais rápido do que a população mundial no último século - e os países mais pobres devem sofrer com isso, nos próximos anos. De acordo com o relatório da Tearfund, a maioria das pessoas sem água vão ser forçadas a deixar seus lares, provocando novas ondas de imigração.
Um dos piores efeitos da falta de água será o aumento do preço dos alimentos. Em 2025, a Tearfund acredita que o volume de água necessário para produzir comida deve aumentar em 50%, devido ao crescimento populacional e à demanda por melhor qualidade de vida.
Como resultado da falta de água, a produção mundial de alimentos ameaça diminuir em 10%. Em média, 70% da água mundial é usada na agricultura, mas na Ásia essa proporção cresce para mais de 90%. Num mundo com cada vez menos água disponível, os países mais pobres vão ter que escolher se usam a água para irrigação, ou para uso doméstico e industrial.
“Para o 1,3 bilhão de pessoas que vive com US$ 1 por dia, o aumento do preço dos alimentos resultado da falta de água pode ser fatal”, diz o relatório da Tearfund.
Diversos fatores colaboram com a crise que se avizinha, entre eles o fracasso dos países em desenvolvimento em regular, gerenciar e investir em seus recursos hídricos. Quando esses problemas se juntam ao crescimento da população, o quadro fica ainda mais grave.
A população da China, por exemplo, deve crescer de 1,2 bilhão hoje para 1,5 bilhão em 2030, enquanto a demanda por água deve crescer 66% no mesmo período.
Outro fator que aumenta a preocupação com a falta de água nos próximos anos é o aquecimento global — alguns cientistas prevêem um aumento na ocorrência de secas e o surgimento de mais desertos.
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24 Horas News, 26/03/2008)