Em três meses, 110 gaviais, uma espécie de crocodilo que apareceu há 200 milhões de anos e considerada em perigo crítico de extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), foram encontrados mortos na Índia, vítimas da poluição dos rios. Restariam apenas pouco mais de mil indivíduos em todo o mundo, dos quais a maioria no subcontinente indiano.
Os cadáveres foram descobertos numa porção de 40 km do rio Chambal, no norte do país. No final de janeiro, quatro especialistas internacionais foram enviados para o local para tentarem elucidar as causas do fenômeno. "Nós conduzimos uma espécie de inquérito policial", comenta o veterinário francês Samuel Martin, diretor da Ferme aux crocodiles (fazenda dos crocodilos), situada no departamento francês da Drôme, que participou das pesquisas.
Incialmente foram coletados alguns indícios. Os tecidos e os órgãos dos animais mortos foram analisados. Os rins forneceram a chave do enigma. "Eles estavam brancos enquanto são sempre vermelhos nos organismos saudáveis", explica Samuel Martin. "Eles não conseguiram filtrar o ácido úrico presente no sangue, que então acabou se alastrando pelos órgãos vitais".
Isso teria provocado paradas cardíacas. Os peixes devorados pelos gaviais estavam envenenados por produtos tóxicos e seriam responsáveis por esta mortandade. A hipótese de ter havido uma infecção viral generalizada foi descartada.
Resta elucidar um outro enigma: por que os gaviais foram os únicos animais dizimados nesta região? Os golfinhos e as tartarugas carnívoras foram poupados. Apenas os crocodilos com idades de 25 a 30 anos morreram. J.K. Jatav, do serviço veterinário da região do Madya Pradesh, arrisca uma hipótese: "Os gaviais são os únicos animais desta área que se alimentam exclusivamente de peixes, e eles dificilmente conseguem se deslocar rio acima até locais mais limpos em caso de poluição, diferentemente dos golfinhos".
O metabolismo dos gaviais também pode ter exercido algum papel no seu envenenamento: "As baixas temperaturas no inverno devem ter contribuído para diminuir o ritmo da eliminação das substâncias tóxicas pelo organismo", avalia Samuel Martin.
Detritos industriais
As substâncias tóxicas que foram colhidas nos cadáveres ainda não foram identificadas. A única certeza dos cientistas é a de que a poluição do rio Yamuna desponta como a principal responsável pela morte dos gaviais. É muito grande o número das usinas químicas, fábricas de papel e destilarias que derramam os seus detritos, não tratados, neste rio que está à beira da asfixia.
Durante a temporada das monções, entre julho e setembro, aumentam os níveis das águas, que sobem até o rio Chambal, onde elas intoxicam os crocodilos. Depois de um período de "incubação", que dura de quatro a seis meses, estes animais acabam sucumbindo. Além disso, conforme Ravi Singh, diretor geral da divisão indiana do Fundo Mundial para a Natureza (WWF), "não é possível capturar os gaviais para protegê-los das águas poluídas, pois muitos deles acabam morrendo no cativeiro".
(Por Julien Bouissou, Le Monde, tradução de Jean-Yves de Neufville, UOL, 26/03/2008)