Os Campos de Cima da Serra estão se transformando à sombra de florestas exóticas, plantadas para fornecer matéria-prima às indústrias de madeira e papel. Espécies como pinus e, em menor quantidade, acácia e eucalipto, ocupam pelo menos 94 mil hectares em nove municípios. Sem fiscalização, a silvicultura está mudando a paisagem, o ecossistema e a economia dessas comunidades.
São José dos Ausentes - Como uma mancha verde, florestas de pinus estão avançando rapidamente sobre o território dos Campos de Cima da Serra. A mudança na paisagem impressiona: propriedades que antes eram de pastagem se encontram tomadas por árvores exóticas, plantadas para atender aos mercados de madeira e papel. A cultura, que inclui em menor escala espécies de acácia e eucalipto, se estende por cerca de 94 mil hectares, o equivalente ao tamanho do município de Jaquirana ou a 60% da área de Caxias do Sul. Ainda assim, a superfície ocupada pela silvicultura em nove cidades pode ser bem maior, uma vez que nem todos os produtores, especialmente os menores, legalizam o plantio.
A crescente demanda da cadeia produtiva da madeira, a viabilidade econômica e a falta de fiscalização, uma vez que a lei que aplicará diretrizes para as plantações deve entrar em vigor apenas no final deste mês, têm servido de estímulo para que pecuaristas e grupos empresariais apostem na floresta como uma poupança, com rendimento a longo prazo. Nos municípios também não há planos diretores que imponham limites ao cultivo. O custo médio para plantar um hectare de pinus no campo é de R$ 1 mil. Em uma década e meia, as árvores estarão prontas para virar celulose e madeira. O ganho do produtor pode ultrapassar 30 vezes o valor do investimento.
O plantio de espécies exóticas começou na região ainda no final dos anos 1960, com o esgotamento de espécies nativas como a araucária, mas o boom ocorreu a partir dos anos 2000, acompanhando uma tendência verificada no Rio Grande do Sul, especialmente na Metade Sul. Só nos últimos três anos, 175 mil hectares foram plantados no Estado.
Às margens de rodovias como a Rota do Sol (RS-486) e a BR-285, entre Bom Jesus e São José dos Ausentes, atesta-se que boa parte da área plantada é recente porque há desde pinus com o tamanho de um pinheirinho de Natal até plantas mais maduras, próximas da idade de corte. Dez anos atrás, a silvicultura nos Campos de Cima da Serra ocupava uma área metade da atual, segundo estimativas do Sindicato da Madeira (Sindimadeira) e prefeituras daquela região.
Mas, se por um lado a febre do pinus vem atraindo investimentos, por outro está cobrando um preço alto: a descaracterização da paisagem do campo, imagem que interessa principalmente ao turismo.
- Economicamente, plantar árvores exóticas é interessante, mas para o turismo é ruim. Quando o visitante chega aqui não quer ver pinus, quer ver campo - afirma Christiane Baroni Rodrigues, secretária de Turismo de Bom Jesus.
Com a certeza de lucro certo, por enquanto os interesses econômicos prevalecem. A floresta tem se apresentado como saída para fazendeiros que vivenciam a redução dos ganhos com a criação de gado no modo extensivo. A disputa com propriedades que adotam o sistema de confinamento do rebanho e a escassez de capim no inverno colocam os serranos em desvantagem, segundo o pecuarista Paulo Ricardo Búrigo, de São José dos Ausentes, cidade onde o florestamento já é a segunda economia. Pomares de maçã, pêssego e ameixa e plantações de batata também são novas alternativas.
- Só com gado hoje o campo se torna inviável. Para haver alimentação suficiente é preciso três hectares para cada cabeça - afirma Búrigo.
- Onde não se cria gado ou a área não serve para pomar, se planta pinus, porque pinus sempre dá (dinheiro) - conta Walter Rudi Christmann, diretor-superintendente de uma fábrica de celulose de Cambará do Sul que possui 9,3 mil hectares de árvores exóticas e tem parcerias com fazendeiros.
À parte a pecuária, a história mostra que os Campos de Cima da Serra têm vocação natural para a exploração de madeira. No início do século passado, quando as preocupações ambientais eram menores, matas inteiras de araucária foram derrubadas. Quando a maioria das áreas foi devastada, há cerca de 40 anos, uma grave crise econômica foi deflagrada em municípios como Vacaria e São Francisco de Paula, o que impôs intensa migração para cidades mais industrializadas, como Caxias. Algumas comunidades, como Bom Jesus, ficaram tão abandonadas que passaram a ser chamadas de cidades-fantasma.
Agora, os Campos de Cima da Serra voltam a receber investimentos, mas com a retomada do progresso está se perdendo um pedaço da história, na opinião do historiador Sebastião Fonseca de Oliveira, natural de Bom Jesus.
- O caminho dos tropeiros (do século 18) que cortava a região está desaparecendo com o pinus. Vão transformar a identidade do campo. É uma pena que os interesses econômicos se sobressaiam tanto - desanima-se Oliveira.
Ambientalistas também torcem o nariz para as mudanças no ecossistema do campo
- Tenho certeza que haverá alterações nos recursos hídricos, na flora e na fauna. Para reverter esse quadro só parando com o pinus, mas é difícil conscientizar as pessoas, porque muito dinheiro está envolvido - diz o economista Cilon Stivalet, fundador da Associação Ecológica Canela-Planalto das Araucárias (Assecan), que, após 10 anos, desistiu de realizar campanhas naquela região.
Há opinião divergente:
- Não vejo o pinus como um mau elemento. O reflorestamento é uma alternativa de renda para a pequena propriedade e pode até ajudar na fertilização do solo - afirma Adelaide Ramos, engenheira florestal da Emater na Serra.
Uma pesquisa para verificar se há ou não prejuízos ao meio ambiente com o plantio de pinus está sendo realizada pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) na Serra. O estudo é bancado por empresas do setor de madeira e celulose. O engenheiro florestal Mauro Valdir Schumacher, professor do Departamento de Ciências Florestais da UFSM, já escreveu um artigo sobre o assunto, em que alerta que em uma plantação pode haver "demasiada exportação de nutrientes, podendo então levar à exaustão do solo impossibilitando futuras rotações florestais".
Como nada é conclusivo, o que vale agora é a visão dos investidores, a maior parte empresas e donos de grandes áreas de terras que nem vivem naquela região. E a escolha deles pelos Campos de Cima da Serra é estratégica: as terras planas e de vegetação rasteira diminuem os custos para o plantio de floresta. Em uma área de declive, os gastos duplicariam, segundo Serafim Gabriel Quissini, presidente do Sindimadeira. Outra vantagem é a grande área improdutiva disponível. Juntos, nove municípios dos Campos possuem território de 13.896.228 quilômetros quadrados (1,3 bilhão de hectares) para uma população de apenas 116,5 mil pessoas, quase um quarto do total de habitantes de Caxias.
(Por Nádia de Toni, Pioneiro, 25/03/2008)