Tramitam no Congresso Nacional mais de 70 proposições referentes a direitos ou interesses indígenas, a maior parte delas na Câmara dos Deputados. Pretendem diminuir as garantias do direito à terra estabelecidas pela Constituição de 1988, e disciplinar o acesso aos recursos naturais nelas existentes. Mais de 30 dessas proposições buscam alterar o procedimento de demarcação das Terras Indígenas. Algumas querem mudar a Constituição Federal para incluir, entre as competências do Congresso Nacional, a aprovação das demarcações. Outras pleiteiam que as demarcações sejam feitas por lei.
As propostas que visam alterar a Constituição Federal, as PECs, precisam ser de grande interesse no Congresso e conseguir consenso para serem aprovadas. A PEC nº 38/99, de autoria do senador Mozarildo Cavacanti, PTB-RR, condiciona a demarcação das Terras Indígenas e visa limitá-las à 30% do território do estado em que se encontram. O mesmo seria estendido à criação de áreas de proteção ambiental.
Entretanto, existem interpretações que consideram cláusulas pétreas os dispositivos do artigo 231 da Constituição, relativos aos direitos dos índios à terra. Ou seja, não podem ser emendados nem seriam passivos de revisão.
Os projetos de lei que querem alterar o procedimento de demarcaçâo, retirando-o do âmbito do Poder Executivo - um ato administrativo da Funai, e transformando-o num ato sujeito ao Poder Legislativo, são inconstitucionais e não tem como prosperar. Embora o Supremo Tribunal Federal tenha fixado entendimento no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 710-6-RR, de que os atos de reconhecimento de Terras Indígenas ou de estabelecimento de procedimentos relativos ao processo de demarcação não são atos normativos, mas administrativos, e portanto, fogem ao controle do Congresso Nacional, existem 14 projetos de decretos legislativos (PDCs), para sustar portarias de reconhecimento de Terras Indígenas expedidas pelo ministro da Justiça. Todos os oito deputados federais do Estado de Roraima, apresentaram em 2005, PDCs para suspender os efeitos da portaria que homologou a demarcação administrativa da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol. (Saiba mais)
Mais danosos ainda são os PDCs que autorizam a exploração do potencial energético dos rios em Terras Indígenas. Na ausência de lei ordinária que regulamente o Artigo 176, parágrafo 1º e o Artigo 231, parágrafo 3º da Constituição, que dispõem sobre a pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais hídricos em TIs, o Congresso vem autorizando a construção de hidrelétricas como a de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará (2005) e Serra da Mesa, no Rio Tocantins, em Goiás (1996). Estão tramitando ainda propostas que autorizam a utilização do Rio Cotingo, dentro da TI Raposa-Serra do Sol, em Roraima e do Rio Tibagi, que afeta comunidades Kaingang, em Santa Catarina.
De acordo com a Constituição, o aproveitamento dos recursos minerais e hídricos só poderá ser realizado mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas. O decreto legislativo, de competência exclusiva do Congresso Nacional, é a medida por meio da qual o Congresso autoriza a exploração dos recursos minerais e hídricos, caso a caso, ouvidas as comunidades a serem afetadas. Mas é imprescindível a aprovação de lei, a ser sancionada pelo Presidente da República, estabelecendo as condições, o procedimento, as cautelas e as garantias a serem tomadas para que tais recursos sejam explorados. Neste sentido o Congresso tem se utilizado de um peso e duas medidas. É que nele tramitam projetos de lei que dispõem sobre as condições específicas de exploração mineral em Terras Indígenas e PDCs que autorizam a utilização de recursos hídricos na ausência de lei.
Enquanto o Estatuto das Sociedades Indígenas que, entre outros itens, dispõe sobre a exploração dos recursos naturais em Terras indígenas está parado desde 1994, o Projeto de Lei de Mineração apresentado pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR) voltou a tramitar com agilidade desde novembro do ano passado. (Veja mais aqui).
Chama a atenção o fato de que as proposições em trâmite raramente surgiram de demandas indígenas. Veja aqui o quadro com as proposições. Seja como for, devem observar e ter como parâmetro o estabelecido na Convenção 169 da OIT, sobre povos indígenas e tribais, em vigor desde 2003, e a Declaração dos Povos Indígenas da ONU, aprovada em setembro de 2007. Ambos são documentos legais internacionais, construídos com ampla participação do movimento indígena internacional e prevêem o direito dos povos indígenas de serem consultados previamente sobre as medidas legislativas que os afetarão.
(Por Ana Paula Caldeira Souto Maior, ISA, 25/03/2008)