O agendamento de quatro novas audiências públicas pelo Ibama, para discutir o licenciamento ambiental da usina nuclear Angra 3, reacendeu os debates em relação aos investimentos do Governo Federal em uma matriz energética tradicionalmente polêmica. Os encontros acontecerão de amanhã à sexta-feira, dias 25, 26, 27 e 28, respectivamente nos municípios de Angra dos Reis, Paraty e Rio Claro, no Rio de Janeiro, e em Ubatuba (SP), atendendo ao Conselho Estadual de Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Consema).
As três audiências nas cidades fluminenses obedecem à determinação judicial, visto que o Ministério Público Federal solicitou à Justiça o cancelamento dos eventos realizados em 19, 20 e 21 de junho do ano passado nesses três municípios. A Justiça acatou as irregularidades apontadas pelo MPF, entre as quais a falta de convocação para as audiências com antecedência mínima de 45 dias após a publicação do edital no Diário Oficial da União.
A realização de eventos dessa natureza também requer publicação do edital de convocação em jornais de grande circulação e que o Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo Relatório (EIA/RIMA) fiquem previamente disponibilizados para consulta pública nos escritórios do Ibama. No entender do MPF, nenhuma dessas exigências foi cumprida.
No dia 5 passado, técnicos da Eletronuclear fizeram uma exposição do projeto na Câmara de Vereadores de Ubatuba. O público presente, de novo, decepcionou. “Participaram do debate pouco mais de 30 pessoas, das quais cerca de 15 eram funcionárias da Eletronuclear, o que indica falhas na divulgação do evento e falta de conhecimento da população sobre as ameaças da instalação de mais uma usina nuclear em Angra dos Reis”, diz Henrique Luís de Almeida, da Associação Socioambientalista Somos Ubatuba (ASSU) (leia a resposta da Eletronuclear a essa e a outras críticas no final da matéria).
“Apesar do projeto ainda não ter seu Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA – RIMA) aprovado pelo Ibama, o Brasil já comprou os equipamentos para a Usina de Angra 3 da Alemanha, país que, a exemplo de outros desenvolvidos, decidiu fechar todas as suas usinas nucleares em 20 anos”, completa.
Segundo ele, alguns dos presentes saíram do debate com a sensação de que este é mais um “projeto rolo compressor, onde a população só é consultada para dizer amém, não se respeitando o interesse do povo em decidir o futuro do país”.
Uma das maiores preocupações da comunidade diz respeito à segurança do processo. “O transporte do urânio já enriquecido (radioativo) se dá por caminhão do Porto de Santos ou do Rio de Janeiro até Resende e depois desce a serra até Angra dos Reis. Imaginem o resultado de um acidente rodoviário”, diz Henrique Luis.
Além disso, ele questiona o plano de emergência, restrito a um raio de 5 km das usinas. “Será que em caso de acidente grave só haverá impacto nestes 5 km? Qual o impacto sócio-econômico de uma ameaça nuclear em Angra? Será que afetará o Turismo na região? Será que afetará a pesca? Quem irá comer peixe se houver desconfiança de contaminação radioativa?”.
Várias entidades do terceiro setor, atuantes na região, estão empenhadas em esboçar um manifesto contrário ao empreendimento. E mostram-se prontas a colocar seus argumentos nas audiências públicas. “É onde teremos a possibilidade de nos manifestarmos contra determinados jogos de interesse deste sistema e dos poderosos recursos econômicos e cifras envolvidos”, diz Beto Francine, integrante do Conselho Estadual de Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Consema), representando o litoral paulista na qualidade de vice-presidente da ONG Associação Cunhambebe, com sede em Ubatuba.
“Não podemos ser sempre subjugados pela economia de mercado e enganados pelo discurso de geração de emprego, que será bom para a população”, coloca.
Ele defende que a sociedade civil organizada deve solicitar um plebiscito, de modo a averiguar, de fato, se o que a maioria da população quer é este tipo de matriz energética ou se o uso atômico deve ser restrito, controlado e para usos medicinais e tecnológicos.
Versão favorável
A Eletronuclear, por sua vez, enumera em seu site vantagens ambientais do empreendimento, entre elas a não emissão de gases ou partículas causadores do efeito estufa, de chuva ácida, de poluição urbana ou de alteração na camada de ozônio; a não emissão de materiais particulados e metais cancerígenos e mutagênicos (arsênio, mercúrio, chumbo, cádmio etc.) e a inexistência de impactos ambientais decorrentes do alagamento de grandes áreas.
A estatal respondeu às críticas do ambientalista Henrique Luis, num texto cujos trechos relacionados a essa matéria estão a seguir.
1 - Assinaram a lista de presença do fórum 64 pessoas e não 30, como o Sr. Almeida cita. Os funcionários da Eletronuclear presentes tinham uma função. Eram engenheiros, químicos, biólogos e pessoal da área de responsabilidade Social que se deslocaram do Rio de Janeiro e de Angra dos Reis para Ubatuba a fim de estarem disponíveis no plenário e aprofundarem quaisquer questões e dúvidas que fossem expostas. Além disso, a Assessoria de Imprensa da Eletronuclear distribuiu aviso à pauta a toda a imprensa local e regional, comunicando sobre a realização do fórum.
2 - O processo de licenciamento ambiental de Angra 3 realmente está em curso, mas a compra de parte dos equipamentos da Usina deve-se ao acordo nuclear Brasil-Alemanha. A Eletrobrás estabeleceu, em 1974, um programa para construção de oito usinas nucleares. Com base nesse programa foi assinado, em 1975, o acordo nuclear entre os dois governos. Por conta disso, foram comprados, na época, parte dos equipamentos da terceira usina. As ordens de compra foram dadas entre os anos 1977 e 1979. A maioria dos equipamentos foram recebidos em 1984, e transferidos para Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, em 1986/1987. Com a decisão do governo da época de não prosseguir com a construção de Angra 3, as obras foram paralisadas e o restante do equipamento não foi adquirido.
3 - Em relação à Alemanha, a decisão existente sobre o desligamento, até 2020 (fim da vida útil), das suas 17 usinas encontra-se sob forte pressão para que seja revogada. O custo para substituir os 31% (2005) de energia elétrica, gerados pelas 17 usinas nucleares alemãs em funcionamento, por energia renovável ainda é alto e necessita de subsídios do governo. A percepção das vantagens econômicas e ambientais proporcionadas pela energia nuclear em relação às alternativas disponíveis está sendo decisiva para a revisão da posição anterior.
4 - Sobre os rejeitos de uma usina nuclear, é importante explicar que o volume de rejeitos gerados por unidade de energia elétrica produzida é muito menor em comparação com outros tipos de geração. Além disso, a tecnologia que permite que esses rejeitos sejam adequadamente manuseados, tratados, gerenciados e armazenados em repositórios seguros e isolados do meio ambiente está bem estabelecida em nível internacional. No caso do Brasil. existem atualmente tecnologias seguras para o gerenciamento de rejeitos de média e baixa atividades, desde sua coleta até o armazenamento em depósitos iniciais. Eles são acondicionados em embalagens metálicas, testadas e qualificadas pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e transferidos para um depósito inicial, construído no próprio sítio da Central Nuclear. Este depósito é permanentemente controlado e fiscalizado por técnicos em proteção radiológica e especialistas em segurança da Eletronuclear.
5 - Um acidente nas usinas da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAAA) com conseqüências radiológicas, isto é, com liberação de material radioativo, é muito pouco provável de acontecer. O pior acidente que pode ocorrer nas usinas Angra 1 ou Angra 2 é uma fusão do núcleo do reator, motivada por perda de refrigeração associada à perda das barreiras físicas de contenção. Este foi o caso da usina americana de Three Mile Island – TMI, onde houve um acidente com danos ao núcleo e escape do circuito primário de grande quantidade de materiais radioativos que, entretanto, ficaram retidos dentro do envoltório de contenção.
Assim como TMI, os reatores de Angra 1 e Angra 2 são do tipo PWR, que utilizam água pressurizada como refrigerante e também como moderador. As usinas nucleares brasileiras possuem sistemas de proteção e controle redundantes, independentes e fisicamente separados em condições de prevenir situações que levem acidentes como uma fusão do núcleo.Toda a parte nuclear está confinada com múltiplas barreiras de proteção o que garante, em caso de vazamento, o material fique contido na dentro de um prédio especificamente projetado para acidentes dessa natureza.
Vale lembrar que o reator acidentado na central de Chernobyl (tipo RBMK1000) difere dos reatores construídos no Brasil não apenas no seu princípio físico de funcionamento, mas, também, por suas características construtivas. O reator RBMK1000 é do tipo água fervente, utilizando grafite como moderador. Usinas desse tipo ficam contidas em um prédio convencional, não projetado para resistir a uma eventual acidente com aumento de pressão conforme ocorreu.
6 - Com base nos critérios estabelecidos pela Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN, órgão da administração federal que regula as atividades nucleares no Brasil, as ações para a proteção da população, em situações de emergência na Central Nuclear de Angra, são esquematizadas segundo as Zonas de Planejamento de Emergência – ZPEs -, com graus de planejamento de resposta que variam de acordo com a distância da Central Nuclear.
A ZPE -3 está compreendida num raio de 3 Km ao redor de Angra 1, a ZPE - 5 num raio de 5 km e as ZPEs 10 e 15 em raios de 10 e 15 Km, respectivamente. O Plano de Emergência Externo do Estado do Rio de Janeiro- PEE, da Subsecretaria de Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro – SUBSEDEC, em conformidade com as diretrizes da CNEN, prevê as ações preventivas e urgentes de remoção da população num raio de 3 Km e, em caso de agravamento do acidente, também num raio de 5 Km. Nestas zonas é que estão instaladas as sirenes para notificação da população. As ZPEs 10 e 15 são consideradas zonas de controle ambiental, onde não são previstas medidas de proteção urgentes e preventivas e sim medidas baseadas numa monitoração do meio ambiente.
(Por Mônica Pinto, AmbienteBrasil, 23/03/2008)