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pombos
2008-03-23

Nunca em seus 65 anos Cecil Pitts imaginou que sua vida seria tumultuada pelos pombos, ou que seu amor por eles o levasse ao tribunal, numa ação contra a cidade de Nova York.

Pitts vive sozinho em South Ozone Park, bairro de Queens, em uma modesta casa de três andares na Inwood Street, cheia de tralhas deixadas nos últimos 50 anos por parentes, quase todos já mortos. Como companhia, ele tem dois cachorros, Lady e Tecumseh, grandes, com cerca de 12 anos e que se movimentam com dificuldade. Outro cão, Sonny, morreu no ano passado. Pitts tem em sua sala de estar atravancada e com cheiro de mofo uma foto de Natal dos três cães, brincando na neve. "Feliz Natal 2003, de Lady, Tecumseh e Sonny Pitts", diz a legenda da foto.

Pitts gosta de jazz, possui uma coleção de discos de vinil e está recém-apaixonado por Diana Krall. E, para consternação de seus vizinhos, ele também ama pombos. Todos os dias, assim que amanhece, Pitts alimenta um pequeno bando de aves que se reúne em seu quintal de trás. Ele espalha sementes de um velho balde plástico que guarda na cozinha, junto à porcelana de sua mãe e algumas batatas amarelas já brotadas.

Pitts calcula que gasta cerca de US$ 10 por semana por um saco de 9 quilos de sementes para aves, que ele compra no Wal-Mart perto de Valley Stream. Disse que começou a alimentar os pombos quando era menino, depois que sua família mudou de Manhattan para o South Ozone Park, em 1950. Na época, a Inwood Street era um caminho de terra, ele contou. Ninguém jamais se queixou da alimentação dos pombos, ele disse. Nem quando era criança, nem quando vinha visitar ao longo dos anos, nem quando ele voltou a morar aqui de vez, em 1987, para cuidar de sua mãe, Vera, que morreu em 2004.

"Eles são toda a minha família, porque meus parentes já se foram", disse Pitts sobre os cães e os pombos. (Ele contou que seu irmão mais moço, William, vive em Port Charlotte, Flórida, mas que eles não mantêm contato.) Então, no último outono, um inspetor do Departamento de Saúde apareceu na porta de Pitts. Disse que queria verificar o quintal para ver se havia pombos (a prefeitura depois confirmou que um vizinho tinha ligado para o 311 e se queixado). Pitts foi citado por não ter provas de que um de seus cães fora vacinado contra raiva e por causar incômodo por alimentar os pombos. No relatório, o inspetor escreveu que havia pelo menos 150 pombos no quintal de Pitts e outros 25 a 30 no telhado. "Nota-se excesso de excrementos de pombo", escreveu o fiscal, acrescentando que havia excrementos no quintal de Pitts e no dos vizinhos.

Pitts disse que ficou atordoado e assustado. O aviso dizia que ele poderia ser multado em "não mais que US$ 2 mil" para cada violação. Pitts, que trabalhou como vendedor de cães e motorista de táxi, disse que vive com US$ 450 por mês da Previdência Social. Em 22 de outubro, ele pegou o trem E até Manhattan, foi ao Departamento de Saúde e Higiene Mental, para uma audiência marcada pelo juiz. Só o metrô já o irritou; na última vez em que o havia utilizado, pagou com fichas e custava US$ 1,25 por viagem.

Pitts soube que seria multado em US$ 500. Ele temeu que pudesse perder a casa ou ser preso se não pagasse. Disse que nunca soube que era contra a lei alimentar pombos em seu próprio quintal. "Foi um choque para mim", ele disse. "Eu não pretendia pagar a multa. E se fosse preso meus cachorros morreriam."

Pitts decidiu que a única maneira de evitar a multa seria processar a cidade para que a cancelasse. E foi o que ele fez, representando a si próprio porque não podia pagar um advogado. Na ação, afirmou que não foi advertido sobre a inspeção, que o fiscal invadiu sua casa sem um documento legal e que o número de pombos foi exagerado.

O juiz Charles J. Markey, da Suprema Corte estadual em Queens, analisou o caso. E numa decisão provisória que congelou as penalidades e definiu as questões legais ele escreveu que o caso de Pitts levanta "questões interessantes de segurança de saúde pública", principalmente se alimentar pombos em uma propriedade privada poderia ser contra a lei. A próxima audiência de Pitts está marcada para 3 de abril.

A cidade, por sua vez, diz que alimentar pombos não é ilegal, mas alimentá-los a ponto de eles "excretarem" excessivamente pode ser. "Geralmente, em certos casos, um incômodo é algo que é legal, mas levado ao excesso", disse Gabriel Taussig, o advogado da cidade no caso. "Claramente, as pessoas têm alimentadores de aves em seus quintais. E isso não é um incômodo. Mas quando você começa a alimentar em excesso, de modo que há um nível de excrementos insalubre, a coisa passa ao nível de incômodo."

Taussig disse que nunca tinha ouvido falar em alimentação de pombos privada como tema de um caso jurídico, mas o Departamento de Saúde disse que emite centenas de cartas de advertência todos os anos. Em uma visita ao bairro de Pitts na quarta-feira, uma de suas vizinhas de porta, que não quis dar o nome, disse que sua família não deu queixa contra ele e que os excrementos só os incomodam no verão. Na casa do outro lado ninguém atendeu. Enquanto isso, na casa de Pitts, o quociente de excrementos em sua entrada e no quintal de trás era realmente modesto. Era um dia chuvoso, mas o clima não impede que Pitts alimente os pombos.

Ele enfia a mão no saco de sementes e vai para fora. Enche um pequeno alimentador e entra para pegar mais um punhado, então espalha as sementes embaixo de um telhadinho baixo para que os pombos fiquem protegidos da chuva. Um rufar de asas encheu o ar e cerca de três dúzias de pombos revoaram ao redor dele. "Somos todos criaturas de Deus", disse Pitts enquanto se movia, ligeiramente encurvado, da cozinha para o quintal. "Isso é tudo o que eu posso dar a este mundo."

(Por Cara Buckley, The New York Times, tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves, UOL, 23/03/2008)


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