Morrer por ingestão excessiva de água não tem nada de sobrenatural. Literalmente qualquer substância, se absorvida em excesso pelo organismo, pode ser fatal. Como dizia o médico renascentista Paracelso (1493-1541), a diferença entre veneno e remédio é apenas a dose. O termo médico usado hoje para designar isso é “dose letal” – normalmente considerada a dose necessária para matar 50% das pessoas submetidas a ela.
A água é um exemplo clássico. Essencial para o funcionamento de todos os organismos vivos e do corpo humano, no qual é a substância mais abundante (cerca de 70% do nosso peso), ela está misturada a uma série de componentes no sangue. Desses, alguns dos mais importantes são os íons (átomos eletricamente carregados) de sódio e potássio. Presentes numa proporção que é mantida mais ou menos fixa por mecanismos reguladores, os íons ajudam a controlar a entrada e saída de substâncias da célula.
O excesso de água no organismo, se não for eliminado pela urina ou pela transpiração, por exemplo, destrói esse equilíbrio. Os íons ficam muito mais dissolvidos do que o normal, e isso força as células a absorver mais água do que deveriam. Elas inflam e podem simplesmente estourar, como um balão cheio de líquido.
Nesses casos, a morte normalmente é causada por um equilíbrio desse tipo que afeta o sistema nervoso central, principalmente o cérebro. Os sintomas iniciais de que um envenenamento por água incluem tontura, vômitos e dor de cabeça. Mais tarde acontecem edemas cerebrais, coma e finalmente a morte.
Qual a dose necessária para causar um problema desses? A chave é o consumo rápido e ininterrupto. Dois ou três litros podem ser suficientes nesse caso, especialmente se a vítima não tiver a chance de urinar e se livrar do excesso de água. Maratonistas e soldados em marcha forçada são as principais vítimas do fenômeno, e por isso recomenda-se que eles bebam água equilibrada com quantidades adequadas de íons. A susceptibilidade, porém, como em qualquer outro problema de saúde, varia de pessoa para pessoa.
(G1, 22/03/2008)