As geleiras, torres de água doce do mundo, continuam derretendo aceleradamente e não há perspectivas de que esta situação se reverta. A taxa média de derretimento mais do que duplicou entre 2004 e 2006, informou o Serviço Mundial para a Vigilância das Geleiras (WGMS, sigla em inglês), com sede na Universidade de Zurique, na Suíça. “As últimas cifras são parte do que parece ser uma acelerada tendência sem um fim à vista”, disse o diretor da WGMS, Wilfried Heberli.
O rápido derretimento das geleiras é um claro indício de que a mudança climática se consolidou e milhões de pessoas, se não milhares de milhões, serão afetadas, alertou o diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Achim Steiner. As geleiras alimentam os rios dos quais depende a sobrevivência de muitas pessoas: por exemplo, 360 milhões dependem do rio Ganges, na Índia, e 388 milhões do Yangtze, na China. Um fluxo menor de água dificultará o crescimento dos cultivos nessas zonas e em outras partes do mundo.
O rápido derretimento das geleiras também produz inundações e aumento do nível do mar. Em média, há um metro cúbico de água doce em cada 1,1 metro de gelo de geleira. O WGMS acompanha de perto a história das geleiras e possui informação contínua sobre as mudanças médias da espessura do gelo ocorridos desde 1980, tomando como referência 30 destas gigantescas massas de água congelada acumuladas nos cumes das cordilheiras.
A perda de gelo em 2006 foi particularmente alta, perto do triplo da registrada em 2005. No total, desde 1980, as geleiras sofreram uma perda líquida de 11,5 metros em espessura. Esta redução é claramente visível em muitas partes do mundo. Algumas das mais drásticas reduções aconteceram na Europa. A geleira Breidalblikkbrea, na Noruega, perdeu em espessura cerca de 3,1 metros apenas em 2006. Estudos recentes indicam que a maioria das geleiras da América do Sul, da Colômbia ate o Chile e Argentina, vêem seu volume diminuir de maneira acelerada.
Quase todas as geleiras nos Estados Unidos também estão diminuindo, disse William Bidlake, especialista do Instituto Geological Survey, do Estado de Washington. “Houve uma queda geral desde os anos 50”, acrescentou Bidlake à IPS. Diante do aumento das temperaturas do planeta, as geleiras se desfazem nas montanhas mais altas e frias. “Estamos presenciando uma situação que não ocorreu em milhares de anos”, afirmou. São as geleiras que mantêm a água de muitos rios norte-americanos durante os meses de verão.
O rígido inverno experimentado em muitas partes do hemisfério norte este ano pouco fez para deter o desaparecimento das geleiras, disse Richard Alley, pesquisador da Universidade do Estado da Pennsylvania (nordeste). O clima de inverno este ano, mais frio e com mais neve que o habitual, levou alguns a sugerir que o aquecimento global havia diminuído. Mas, mesmo este ano sendo mais frio que o anterior, a tendência geral dos últimos 30 anos demonstra que as temperaturas estão subindo, explicou Alley. As geleiras continuarão derretendo. As contínuas perdas de gelo na Groenlândia têm o potencial de aumentar o nível do mar sete vezes, acrescentou.
Enquanto isso, uma importante reunião entre os 20 maiores emissores de gases causadores do efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento do planeta, fracassou domingo, no Japão. Uma vez mais, as nações do Norte não chegaram a um acordo com as do Sul em desenvolvimento sobre como reduzir as emissões. Os principais países industrializados mais os emergentes como Brasil, China, Índia e Indonésia, são responsáveis por cerca de 80% de todas as liberações de gases que causam o efeito estufa.
Faltam apenas 18 meses para a próxima reunião da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que acontecerá em Copenhague, e na qual os governos deverão acordar um novo regime para a redução de emissões quando vencer, em 2012, o Protocolo de Kyoto, único instrumento atual contra o aquecimento global. Cientistas em todo o mundo afirmam que este novo regime deveria reduzir as emissões entre 25% e 40% até 2020, pois somente dessa maneira seria possível evitar um efeito catastrófico no planeta. Se não se conseguir um acordo internacional em 2009, “do mesmo modo que as geleiras, nosso espaço de manobra e a oportunidade de agir simplesmente desaparecerão”, alertou Steiner.
(Por Stephen Leahy, da IPS/Envolverde, EcoAgência!, 19/03/2008)