O projeto da declaração de amor à Porto Alegre foi apresentado aos vereadores como se fosse um empreendimento único, mas são dois, distintos
O complexo projetado pelo Sport Club Internacional engloba duas iniciativas distintas. Uma é a modernização do estádio Beira-Rio, visando as partidas da Copa do Mundo de Futebol, em 2014. A obra será custeada com recursos próprios e começará no segundo semestre deste ano. O projeto é bonito, inclui a cobertura das arquibancadas, com aproximação ao campo na parte inferior delas, aumentando a lotação. O Gigantinho também será reformado, e prevê-se uma praça de alimentação e restaurante panorâmico. Todas estas iniciativas dependem da decisão do clube, que tem a posse da área onde pretende construir com seus próprios recursos. Mas há aí uma questão muito complicada, que é o estacionamento, e este foi um dos motivos da gentileza com a Câmara de Vereadores, na sessão especial que teve a presença, além de dirigentes e ex-dirigentes do Internacional, de dois deputados federais que defenderam o projeto do complexo, Ibsen Pinheiro (PMDB) e Manoela d'Ávila (PCdoB).
Vocês estão lembrados da tentativa frustrada do então prefeito Raul Pont (PT) de instalar o sambódromo entre o Gigantinho e o Parque Marinha do Brasil? Aquele terreno, que a Justiça decidiu que pertence ao Parque e que até hoje não foi a ele anexado – sabe-se agora porque -, e que hoje é ocupado por um estacionamento da EPTC, é pretendido como estacionamento para cinco mil veículos. O clube o usaria à titulo oneroso, ou seja, pagaria um arrendamento "x" em troca. Acontece que o terreno é do Parque, e não pode ser vendido, comprado, cedido, arrendado ou emprestado – a não ser que os vereadores aprovem uma lei liberando a área. Mesmo assim, há interpretações jurídicas que caracterizam o espaço como intocável.
Mas não é apenas aí que a liberalidade e a responsabilidade dos que governam a cidade em nome do cidadão será testada. A segunda iniciativa, aquela que até incorporadores internacionais estão esperando, é o projeto do entorno do Beira-Rio, que atinge a cota de construção proibida, a qual garante que porto-alegrenses ricos e pobres tenham livre acesso e usufruto do lago, rio ou estuário, como queiram, do Guaíba, que será despoluído. Acesso sem pedir licença a ninguém. Um hotel com duas torres e mais de 700 suítes, e um centro de convenções com três hectares de área construída, sem falar em praça de alimentação, tudo com estacionamento no terreno do Parque Marinha, modificam profundamente a orla, e tem sobre ela efeitos perigosos. O pior efeito é o precedente, pois, permitido ao clube, permitido será a outros declarar amor a Porto Alegre em forma de negócio, desde o Gasômetro até o Veleiros do Sul, para ficar apenas neste trecho.
(Blog Erico Valduga, 20/03/2008)