A modernidade, a era virtual, o futuro eletrônico, o mundo transgênico, da biologia sintética, da estação espacial internacional. É um mundo que progride, cresce a taxas superiores a 10%. Trilhões de dólares que circulam à procura de oportunidade de negócios. Tudo isso tem como motor, um dos principais eixos da economia, um negócio baseado nas práticas do século XVIII. O princípio do custo mínimo, sem investimentos, ao longo de séculos. Por isso, classificado agora como a tecnologia das trevas.
É um segmento da economia que posa de bacana, contrata artistas renomados, gasta muito em campanhas publicitárias. Mas, na base, o que acontece? Queima-se floresta nativa, transforma-se em carvão vegetal, depois esquenta o minério de ferro, livra de alguns ingredientes indesejados, vende-se a matéria-prima – o ferro-gusa – para a produção de aço, no mercado internacional e nacional.
Estes dias, a maior mineradora do país sofreu uma invasão de agricultores assentados no município de Açailândia, nordeste do Pará. A empresa mantém 20 mil fornos, onde queima madeira plantada, e produz carvão. Os vizinhos reclamavam da poluição. Este problema é muito mais grave. Existem três pólos siderúrgicos em funcionamento no Brasil, fora do eixo mineiro, o tradicional quadrilátero ferrífero. São eles: Porto de São Luiz, no Maranhão; Pólo de Carajás, no Pará, e o de Corumbá (ainda em implantação), no Mato Grosso do Sul. Dois estão em área amazônica e o terceiro é dentro do pantanal, onde estão as reservas de Urucum.
A professora Sônia Hess, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, elaborou um trabalho sobre a produção de ferro-gusa no Brasil. Em 2005, conforme dados da Embrapa Amazônia Oriental, 69 empresas, com 137 altos –fornos produziam ferro-gusa – 71,2% eram siderúrgicas, também fabricavam aço, e 28,8% de empresas independentes, chamadas de guserias. A produção das tais guserias é distribuída da seguinte forma: 63% em Minas Gerais, 31% no Pólo de Carajás e 5% no Espírito Santo, e um outro tanto no MS.
Consumo devorador
No mesmo ano de 2005 a Ásia foi responsável pelo consumo de 52,6% do aço industrializado no planeta. A cota da China foi de 30%. A Europa comprou 23,2% e os Estados Unidos 12%. A produção de ferro–gusa passou de 726 milhões de toneladas em 2004 para 785 milhões de toneladas, em 2005. No ano passado o consumo de aço cresceu 18% no Brasil, puxado pelo crescimento da indústria automobilística e a construção civil.
- A indústria automotiva segue sendo o coração de toda a indústria metal mecânica e da indústria geral de plásticos, explica o economista mexicano André Barreda, da Universidade Autônoma do México. Consultando as listas das maiores empresas do mundo, além da Wall Mart, estão todas as grandes petrolíferas e as grandes produtoras de automóveis... toda a indústria de mineração do mundo gira em torno da indústria automotriz, e o mesmo ocorre em relação à produção de plásticos”, finaliza ele.
Recentemente, os contratos da maior mineradora do país foram elevados em 65% - 70 % com os chineses – o faturamento aumentará, a produção idem. E os fornos queimarão mais mato nativo. Ainda citando o trabalho da professora Sônia Hess:
- No Brasil, 33,2% do total de ferro–gusa é produzido pelo uso do carvão vegetal como agente redutor, o que lhe confere maior qualidade, por conter quantidades reduzidas de enxofre, comparando com ferro produzido com carvão mineral. Uma tonelada de ferro–gusa requer 0,725 ton de carvão vegetal, produzido a partir de 3,6 ton de madeira.
Segundo a Associação Mineira de Silvicultura, em 2006 dos mais de 35 milhões de metros cúbicos de carvão vegetal consumidos no país, 49% (mais de 17 milhões de metros cúbicos) foram obtidos a partir de matas nativas.
Ele custa 30% menos do que o carvão de eucalipto. Portanto aumenta o lucro das siderúrgicas, pois o carvão responde por 50% do custo da produção de ferro–gusa.
Situação indecente
Em 2005, pesquisadores da Embrapa e da Universidade Federal do Pará calcularam uma área de 105 mil hectares de floresta derrubada para atender à produção de 3 milhões de toneladas de ferro–gusa do pólo siderúrgico do Carajás. Siderúrgicas que fornecem matéria–prima à maior mineradora do país, foram multadas em R$ 500 milhões, por não cumprir com a legislação. O que não quer dizer nada, porque ninguém paga essas multas do Ibama. O engenheiro de minas Francisco Fonseca, lançou há alguns anos, um livro sobre economia, energia e ecologia. Ele trabalhou 20 anos na maior mineradora do país. Um trecho do livro:
- Os nossos minérios de alto teor de ferro se prestam muito bem para a siderurgia a gás, usando gás natural ou biogás. As indústrias siderúrgicas usam principalmente carvão de lenha nativa, que é mais barato. Só algumas siderúrgicas maiores e mais avançadas usam algum carvão produzido com lenha plantada. Poderiam substituir, mas na prática seria muito difícil evitar que as siderúrgicas usassem carvão de lenha nativa e continuassem destruindo a vegetação como sempre fizeram”.
Das forjas, manuseadas pelos escravos no século XVIII, em Minas Gerais, até as nossos dias gloriosos de tecnologia, não mudou nada. Já comeram – literalmente – a mata atlântica na região, agora estão terminando com o pouco que resta do cerrado, invadiram o Pantanal, na região entre os municípios de Jardim e Bonito e tomaram áreas do Pará. A produção de carros aumentou 30% em 2007, no Brasil. Bate recordes em cima de recordes.
No mundo foram mais de 80 milhões de veículos. A demanda, como dizem os tagarelas do economês vigente, segue sem limites: mais aço, mais ferro–gusa, mais carvão, menos florestas. Uma equação indecente, maquiada de artifícios tecnológicos. Aliás, os fornos da mineradora de Açailândia tem estilo, são mais altos, espaçosos, funcionais. Diferente dos miseráveis que povoam as regiões do centro – oeste e norte do país, onde diariamente crianças são flagradas trabalhando com a família. Tanto um como outro se parecem com uma sucursal do inferno, fumegando dia e noite.
(Por Najar Tubino*, Eco Agência, 18/03/2008)
*Najar Tubino é jornalista