As Olimpíadas de agosto na capital da China, uma das cidades mais secas do mundo, supõem um enorme desafio para os organizadores, que se esforçam para garantir um fornecimento de água adequado. Os planos para trazer água até Pequim desde províncias vizinhas podem fracassar porque as autoridades locais resistem às pressões para compartilhar o recurso e evitar uma crise na sede dos Jogos Olímpicos. A sede desta cidade é um assunto acalorado na atual sessão anual do Congresso Nacional do Povo (parlamento), que começou no último dia 5 e vai até o próximo dia 18.
“Não se trata de não querermos dar água a Pequim, é que não há água suficiente para compartilhar’, disse à margem do plenário Zhang Fuming, delegado da província de Xhanxi. Esta, junto com Hebei, são as duas províncias à quais as autoridades pequinesas recorreram para compartilhar o peso de organiza os Jogos Olímpicos. Prevê-se que o consumo de água chegará a 2,7 milhões de metros cúbicos por dia. Mas as duas províncias, que ficam curso acima do rio Yongdinghe, o principal sistema hídrico de Pequim, têm problemas para atender sua própria demanda.
Hebei, por exemplo sofre freqüentes secas desde 1999, mas mesmo assim os líderes locais fixaram como objetivo o cultivo de um arroz hibrido que requer muita água. Shanxi, conhecida como a mina de carvão da China, esgotou seus recursos hídricos com o excessivo desenvolvimento da mineração e com a extração de águas subterrâneas, em grande parte contaminada, que não pode ser utilizada nem para a indústria nem para a irrigação. “Levará anos recuperar a água e sua qualidade na província”, disse Zhang, que trabalha como pesquisador para o governo local.
Todo o norte da China está na mesma situação porque as chuvas são escassas e a terra é árida. Inclusive a capital está assolada pelo avanço do deserto de Gobi. A quantidade de água por habitante para os 1,3 bilhão de chineses é inferior a um terço da media mundial, mas em Pequim, e nas 130 cidades do país, é inferior a media nacional. De fato, a escassez do recurso na cidade é tão séria que muitos moradores chegaram a sugerir em um debate público mudar a capital para outro lugar por causa da falta de água potável.
Os recursos cada vez mais limitados da capital não impediram os organizadores dos Jogos Olímpicos de projetar e construir novos parques e vastos campos de golfe. A seca Pequim tem agora mais de 30 campos de golfe e cada um consome cerca de três mil metros cúbicos de água por dia. Para atender a demanda da cidade os urbanistas chineses investiram em enormes projetos de infra-estrutura para levar água desde os principais rios do país, o Yangtze e o Amarelo. O plano mais ambicioso, desvio de água de sul a norte, prevê fornecer um bilhão de toneladas de água por ano a Pequim, bombeadas desde o rio Yangtze por um canal de 1.277 quilômetros.
O custo total do projeto é estimado em mais de US$ 60 bilhões, mais que o dobro do custo da represa Três Gargantas, oficialmente de US$ 28 bilhões. O projeto prevê a construção de três canais no leste, no centro e oeste do país, por onde fluirá a água, de sul a norte, ao longo de centenas de quilômetros, para irrigar as áridas planícies setentrionais e levar o recurso até Pequim. As primeiras etapas do plano estarão concluídas para o início das Olimpíadas, mas o restante poderá demorar anos para ser concluído.
Engenheiros chineses começaram em janeiro o desvio de água desde o rio Amarelo para aumentar o recurso na capital com vistas ao grande acontecimento esportivo de agosto. Mais de 150 milhões de metros cúbicos percorrerão 400 quilômetros até o lago Baiyangdian, ao sul da capital, nos próximos três meses. Por outro lado, os urbanistas iniciaram um programa exigindo que as províncias vizinhas de Pequim compartilham a água para garantir um progresso sem conflitos até os Jogos Olímpicos. O plano prevê um pagamento não especificado pela água, mas os delegados ao parlamento afirmam que isso será difícil se ser implementado.
“Sem ordens administrativas, as transações de água serão virtualmente impossíveis’, disse Cao Dazheng, especialista e delegado da cidade de Tianjin, em um grupo de discussão. “Não há uma divisão clara dos direitos sobre a água entre as localidades. E mais, há vários interesses industriais conferidos a esses recursos devido à produção local de carvão”, explicou. As autoridades de Hebei se comprometeram a fornecer água para os Jogos Olímpicos, mas reclamaram compensações por parte de Pequim por priva a província do precioso recurso que poderia ser destinado ao desenvolvimento de indústrias lucrativas no âmbito local, segundo a imprensa.
Mas, além dos Jogos Olímpicos, o fornecimento futuro de água a Pequim continua incerto. A crise hídrica que assola o norte da China, porque as cidades sedentas esvaziaram os aqüíferos, foi agravada pela contaminação que se estendeu a mais da metade dos cursos de água do país. Um em cada quatro chineses, cerca de 300 milhões de pessoas, não tem acesso à água potável, de acordo com estatísticas oficiais.
(Por Antoaneta Bezlova, IPS, Envolverde, 19/03/2008)