O mantra das empresas e políticos no mundo desenvolvido é o de que a tecnologia fornecerá a solução para o aumento global das emissões. Eles dizem que na verdade o combate ao aquecimento global pode ser bom para os negócios.
A General Electric imediatamente reivindicou ser uma líder ambiental ao vender turbinas eólicas. O Wal-Mart está se tornando verde ao pedir aos seus fornecedores para que avaliem suas emissões enquanto produzem produtos Wal-Mart. Negociar as emissões de carbono certamente pode ser lucrativo: em um mês de péssimas notícias financeiras nos Estados Unidos, a Climate Exchange (bolsa do clima), que administra a Chicago Climate Exchange, viu um aumento de suas ações em mais de 20%.
"Nós acreditamos que a tecnologia pode ajudar a resolver algumas destas questões de energia limpa, e que no final, ao fazê-lo, poderemos ganhar dinheiro para nossos investidores", disse Jeff Immelt, o executivo-chefe da General Electric, em uma conferência na Califórnia neste mês.
Mas turbinas eólicas, carros híbridos e mercados de carbono são soluções feitas pelo mundo desenvolvido para o mundo desenvolvido. Elas ignoram um grande pedaço do quebra-cabeça da mudança climática: como melhor ajudar as pessoas no mundo em desenvolvimento que já estão sentindo os efeitos do aquecimento global.
"Há uma tendência de encontrar soluções por meio de intervenções tecnológicas e soluções de alto investimento, o que é complicado porque nem sempre funcionarão para os países pobres", disse Gonzalo Oviedo, autor de um poderoso relatório sobre o efeito da mudança climática sobre os pobres no mundo em desenvolvimento, divulgado nesta semana pela União Internacional para a Conservação da Natureza. "O que estamos dizendo é que em muitos países pobres há um alto grau de vulnerabilidade, que exige outros tipos de soluções."
O mundo está correndo para imaginar como reduzir as emissões com a ajuda de tecnologia. Ele tem feito muito menos para ajudar os pobres a se adaptarem. O relatório "Povos Indígenas e Tradicionais e a Mudança Climática" inclui o tipo de catálogo de sofrimento relacionado ao clima que já está ocorrendo entre os povos mais pobres do planeta.
No oeste da Nicarágua, a mudança climática deixou aldeias isolada de suprimentos cruciais, já que o rio que servia como via de abastecimento está baixo demais para ser navegado. "Suprimentos básicos como sal e água potável não mais conseguem chegar às aldeias", diz o relatório. "Além disso, o baixo volume de água significa que a poluição se torna concentrada e as pessoas ficam mais suscetíveis à cólera e tuberculose."
Entre os baka de Camarões, as chuvas ficaram menos regulares e difíceis de prever. "Mulheres que normalmente pegam peixes nas barragens construídas próximas de pequenos rios na estação seca freqüentemente não mais conseguem, à medida que os padrões de cheia dos rios mudam", diz o relatório.
Em Bangladesh, uma elevação do mar de 1,5 metro submergiria 22 mil quilômetros quadrados de terra e deslocaria 17 milhões de pessoas extremamente pobres, mais de 15% da população. Para onde irão?
Em Nova York nesta semana, eu me deparei com meu próprio pequeno problema ligado ao clima: devido à escassez global de grãos, criada em parte pela corrida aos biocombustíveis, o preço de um bagel subiu de 60 centavos para US$ 1,20 no ano passado. Os nova-iorquinos estão todos perplexos com o aumento, mas ele empalidece diante destes problemas maiores.
Em grande parte do mundo em desenvolvimento, a resposta à mudança climática exigirá um bocado de investimento em idéias de baixa tecnologia, não bilhões despejados em alta tecnologia, disse Oviedo. Os retornos serão em vidas humanas e na preservação de espécies e culturas ameaçadas -em vez de bons lucros nas opções de carbono.
O relatório da União Internacional para a Conservação da Natureza também aponta que os povos indígenas precisaram se adaptar às mudanças nos padrões climáticos por milhares de anos, de forma que sugere que os países ricos deveriam aprender com a experiência deles. (As turbinas eólicas evoluíram a partir dos modestos moinhos de vento.)
"Ao fazer planos, aqueles que tomam decisões deveriam aprender com os povos indígenas e suas estratégias -este é um novo campo de pesquisa e há vários bons exemplos", disse Oviedo. Durante anos de baixa precipitação, por exemplo, várias culturas no Norte da África restringiram severamente que gado pastasse. A relva deve ser cortada no campo e os animais alimentados fora do pasto para impedir o uso excessivo de recursos.
Igualmente, aldeias na América do Sul construíram canais subterrâneos de pedra para coleta de água, para que esta não evaporasse enquanto se movia de um lugar para outro. "O problema é que no momento em que são mais necessárias, estas práticas tradicionais estão desaparecendo", ele disse.
Atualmente, a resposta internacional à mudança climática defende grandes projetos para redução das emissões globais. Há incentivos generosos para conversão de usinas de força a carvão na China para tecnologia mais limpa, por exemplo, mas não há encorajamento para outra causa: ajudar uma aldeia rural na África a se adaptar às temperaturas mais quentes e à degradação de suas terras em deserto. "É difícil imaginar como financiar este tipo de coisa, mas é absolutamente fundamental", disse Oviedo.
(Por Elisabeth Rosenthal, International Herald Tribune, tradução de George El Khouri Andolfato, UOL, 18/03/2008)