Representantes do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e de Minas e Energia (MME) reconheceram a existência de fragilidades no ecossistema onde está prevista a construção da Usina Hidrelétrica de Pai Querê, no rio Pelotas entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
A hidrelétrica está em estágio de licitação de obra e demanda um investimento de aproximadamente R$ 787,4 milhões. Os seus passivos foram apresentados durante o III Fórum de Hidrelétricas do RS, realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na última quinta-feira (13/03).
O MMA prevê a realização de novos estudos a partir de maio, com seis meses de duração, em convênio com universidades da Região Sul. “Os resultados da Avaliação Ambiental Integrada (AAI) não nos permitiram obter um detalhamento da região, porque as informações são trabalhadas em macro-escala, admitiu a gerente de Instrumentos de Avaliação Ambiental do Departamento de Licenciamento e Avaliação Ambiental do MMA, Moema Rocha de Sá.
Para a especialista, o ministério está assumindo a responsabilidade de fazer uma avaliação aprofundada para identificar tanto as áreas de fragilidades quanto potencialidades desses empreendimentos hidrelétricos. Quando questionada sobre o motivo pelo qual não foram realizados trabalhos de campo na região, situado numa Zona Núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, a arquiteta esclareceu que a metodologia empregada considerou dados secundários, em que não era imprescindível a visitação in loco, mas que poderá vir a ser feita durante os trabalhos, se houver necessidade.
O próprio ministério, no entanto, vem trabalhando na hipótese da criação de uma Unidade de Conservação – Refúgio da Vida Silvestre em Pai Querê.
O assessor técnico do Departamento de Áreas Protegidas, Emerson Oliveira, confirmou essa possibilidade. A proposta de UC já foi inclusive apresentada em 14 municípios dos dois Estados, e segundo Oliveira, muito bem recebida.
Nascentes apresentam maior riqueza de faunaJá os resultados da Avaliação Ambiental Distribuída (AAD) apresentados no fórum revelam a importância da região para a preservação da fauna e flora. A zona de nascente dos rios Pelotas e Canoas está entre as mais preservadas da bacia. A sub-bacia apresentou a maior riqueza, tendo sido identificadas 135 espécies de anfíbios, 137 espécies de répteis, 432 espécies de aves e 116 espécies de mamíferos. Ela engloba quase a totalidade das espécies endêmicas de peixes entre outros grupos de fauna e flora ameaçados.
“Apesar do total de formações florestais atingidas pelo Programa de Aproveitamentos Hidrelétricos da bacia corresponder a pouco mais de 1% das formações preservadas nos setores afetados da bacia, a supressão destes remanescentes é considerado um impacto cumulativo e sinérgico importante, que afetará cerca de 12.000 famílias”, informou o assessor técnico da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) do MME, Ronaldo Câmara Cavalcanti.
• A área da bacia dentro do território brasileiro é de 177.494 km2;
• 73% está no Rio Grande do Sul e 27% em Santa Catarina;
• A população da Região Hidrográfica do Uruguai, em 2000, era de 3.834.654 habitantes (2,3% da população do país);
• A Região Hidrográfica do Uruguai apresenta um grande potencial hidrelétrico, com uma capacidade total de 13,6 GW, dos quais 2,9 GW já se encontram instalados (SIPOT, 2004).
Projetos da DitaduraPara o professor da UFRGS e membro do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá), Paulo Brack, esses projetos de hidrelétricas, que agora fazem parte do
Programa de Aceleração do Crescimento, fazem parte deu um modelo ultrapassado. “ Essa discussão sobre o modelo energético brasileiro é um tema antigo mas que nos últims anos ganhou importância”, afirmou. Brack lembrou que em 2000 a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) aceitou um pedido de moratória para os projetos de hidrelétrica previstos para o Estado.
Na época, explicou, foi feito um estudo incorporando uma visão de sustentabilidade, especialmente na Bacia do Rio das Antas, onde se dez uma avaliação geral com técnicos que não tinham ligação qualquer com os empreendedores. Concluíram que apenas 17 hidrelétricas das mais de 50 previstas no Estado não podiam ser construídas. “Somos a favor da precaução, já que esses projetos são da década de 1970”, disse.
O ambientalista recordou que o papel do governo deve ser o da discussão. “Queremos discutir com o governo áreas livres de barramentos, por meio de estudos sérios”. O Estudo de Pai Querê, feito pela Engevix, é um exemplo do que os ambientalistas não concordam.
Segundo dados apresentados ainda no fórum, o estudo da Engevix identificou 12 espécies de aves raras ou ameaçadas no local da barragem, enquanto o do Laboratório de Ornitologia do Museu de Ciências da PUCRS registrou a presença de 32 espécies.
Conforme Brack, a cosultoria não levou em consideração espécies endêmicas e apontou áreas de extrema relevância como de “magnitude ambiental pequena”. O professor questionou onde estariam os documentos que comprovam que não há impacto ambiental. “Simplesmente não existem”, provocou.
Fantasma de Barra GrandeO maior temor de todos é que a tragédia de Barra Grande se repita. O episódio do afogamento ficou marcado com uma das maiores tragédias ambientais do país. A formação de lago inundou uma área de aproximadamente oito mil hectares, sendo 90% de floresta primária e em diferentes estágios de regeneração e por campos naturais. Ali, entre a floresta tragada pelas águas, sobrevivia um dos mais bem preservados e biologicamente ricos fragmentos de Floresta Ombrófila Mista do Estado de Santa Catarina.
A responsável pelo estudo que não “enxergou” a imensa floresta de araucárias é a mesma Engevix, que agora afirma que 1.670 hectares podem ser impactados por Pai Querê. No entanto dados da própria Engevix indicam que há nessa área mais de três vezes a cobertura vegetal de Porto Alegre. Brack reconhece que não houve tempo, durante suas saídas de campo com os alunos da universidade, para realizar mais estudos que comprovassem a existência de outras espécies endêmicas. “Saídas de campo como as que fazemos demandam muito tempo e dinheiro”, lamenta.
Para ele, se os governos quiserem tocar adiante os
projetos de hidrelétricas têm que mostrar que são viáveis ambientalmente. Ou seja, não pode ser uma consultoria como a Engevix, multada em 10 milhões de reais por Barra Grande, a dizer o que se pode fazer ou não.
Outro ponto defendido durante o fórum foi a necessidade de preservar os 100 metros a partir do represamento. Hoje, segundo Brack, está sendo apenas 30 metros, especialmente em razão da necessidade de indenizações. O professor explica que os 100 metros seriam uma forma de manter intocada uma parte importante da biodiversidade, a tal reserva legal dos rios.
(Por Adriana Agüero e Carlos Matsubara, Ambiente JA, 18/03/2008)