Há pelo menos 30 pousadas vazias, 250 monitores sem trabalho e diversas escolas cancelaram excursões ao localA Páscoa pode ser amarga para boa parte da população do Vale do Ribeira que depende do turismo de cavernas para sobreviver. Há pelo menos 30 pousadas vazias, 250 monitores sem trabalho e diversas escolas com excursões canceladas, enquanto o governo federal e o estadual tentam entrar em um acordo a respeito da visitação das grutas em três parques do Estado.
As cavernas estão fechadas há quase um mês por determinação do Ibama (instituto ambiental federal). Os três parques afetados são o Petar, o Jacupiranga (onde fica a caverna do Diabo) e o Intervales. A cidade mais atingida é Iporanga, com 4.600 moradores.
O motivo da interdição, segundo o Ibama, é a falta de plano de manejo (estudo para mapear riscos de degradação do ambiente e as condições de segurança para os turistas).
Sônia Aparecida Santos, dona da pousada Casa de Pedra, define assim a situação: "Estamos num pedaço de paraíso com todos os problemas do inferno".
Em meio à mata atlântica, com trilhas perfumadas por lírios brancos e cheias de bromélias vermelhas, cachoeiras e cavernas, ela conta que há cheques de donos de pousadas "voltando", dívidas crescendo e desistências nas reservas.
Algumas hospedarias deram férias para funcionários. Na Pousada das Cavernas, há cinco quartos reservados para a Páscoa, dos 24 existentes -os turistas ainda aguardam para saber se as cavernas vão reabrir.
"Normalmente, a pousada encheria, como no Carnaval. Deveríamos receber 80 alunos antes do feriado, mas já desmarcaram", conta o administrador Geferson Rodrigues, 30.
A Pousada da Diva -a maior de Iporanga, com 55 quartos- teve cancelamento da reserva de uma escola com 180 alunos recentemente.
"Esperamos que reabram as cavernas antes do feriado. Senão, o prejuízo será incalculável", diz Wanilda de Andrade, filha da proprietária.
O monitor ambiental Renato Castro, 41, morador de Apiaí, diz sofrer com a situação. "Minha mulher também é guia. Então, estamos nós dois sem trabalho", afirma ele, que recebe de R$ 80 a R$ 100 para levar um grupo com até dez pessoas para visitar o interior das cavernas da região.
Fora dos parquesCom as grutas fechadas dentro de parques, turistas acabam indo para as cavernas localizadas em áreas particulares -há cerca de 30 na região.
A mais procurada é a Laje Branca. O proprietário da área não cobra entrada, e monitores levam visitantes para conhecer a caverna e fazer rapel.
Guias se negaram, entretanto, a levar a reportagem da Folha até a caverna. Eles temem que a Laje Branca também seja fechada pelo Ibama.
As cavernas são consideradas bens da União. Mesmo em áreas privadas, sua exploração requer licenciamento ambiental do governo federal.
Clayton Lino, espeleólogo que integra a entidade Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, considera estranho o fato de a interdição ter ocorrido apenas em cavernas dentro de parques.
"As grutas de parques no Vale do Ribeira não estão abandonadas, estão entre as mais controladas do país."
Ele afirma, ainda, que foram necessárias décadas de trabalho para criar infra-estrutura na região -com a construção de pousadas e formação de monitores. "É um impacto social enorme numa das regiões mais carentes. É uma grande irresponsabilidade."
Ibama afirma que não há previsão para a reaberturaO Ibama afirma que não há previsão para reabrir as 46 cavernas exploradas turisticamente nos parques Petar, Jacupiranga e Intervales.
"Gostaríamos de frisar que essa situação de interdição não agrada ao Ibama e todo o empenho do corpo técnico é para que a situação se resolva rapidamente. Para isso, a Fundação Florestal deve efetivar as medidas corretivas necessárias também o mais rápido possível", diz nota do instituto.
O Ibama afirma que fechou justamente as cavernas dentro de parques porque nelas "há notório estímulo à visitação, com ampla divulgação". Além do mais, diz o órgão, há cobrança de ingressos para a entrada.
"Fomenta-se a visitação em escala comercial e auferem-se recursos com isso." Para visitar a caverna de Santana, no Petar, por exemplo, o turista desembolsa R$ 3.
Outro fator para a interdição das cavernas é uma ação civil pública movida pelo MPF (Ministério Público Federal). "Essa ação obrigou o Ibama a interditar as cavernas até que cessem as irregularidades."
A Fundação Florestal, órgão da Secretaria Estadual do Meio Ambiente responsável pelos parques com cavernas interditadas, diz que já houve avanços na negociação com o Ibama e que espera uma resolução antes da Páscoa.
"Entregamos a documentação para o Ibama na quarta-feira passada. Teremos uma reunião com o MPF na próxima segunda [hoje] e, na quarta, com o Ibama", diz José Amaral Wagner Neto, diretor-executivo da Fundação Florestal. Segundo ele, será elaborado o cronograma para um plano de ações emergenciais.
O Ministério Público Federal não quis se manifestar. Na ação movida pelo órgão, tanto o Ibama quanto o Estado e a Fundação Florestal são réus. (AB)
Das mais de cem grutas turísticas do país, apenas dez têm plano de manejo
Um levantamento feito pela Folha junto ao Cecav (Centro de Estudo, Proteção e Manejo de Cavernas), órgão do Ministério do Meio Ambiente, revela que apenas dez cavernas em todo o país possuem plano de manejo aprovado.
Três dessas grutas ficam em Bonito (MS): Lagoa Azul, Abismo Anhumas e São Miguel. No Paraná, as cavernas Bacaetava e Lancinha já concluíram os estudos. No Amazonas, há outras duas: Maroaga e Batismo.
Goiás, Santa Catarina e Bahia têm uma gruta cada um com plano de manejo -respectivamente, a caverna dos Ecos, a Botuverá e a Poço Encantado. No país, o Cecav avalia que existam entre 100 e 120 cavernas exploradas turisticamente.
Alexandre Fortuna, chefe-substituto do Cecav, diz que o plano de manejo é um instrumento para ordenar a visitação, proteger o turista e evitar grande impacto ao ambiente.
Segundo ele, várias cavernas são exploradas turisticamente desde os anos 1960, porém nunca houve uma regulamentação ambiental. "Desde a fundação do Cecav, há 11 anos, tentamos mudar essa situação. Cobramos desde 2002 estudos dos três parques de São Paulo."
De acordo com Fortuna, as cavernas têm um ecossistema muito peculiar e, se ocorrem acidentes, é difícil prestar socorro. "É preciso analisar, por exemplo, as aranhas, escorpiões e fungos patológicos que podem existir nesses locais."
No núcleo Santana do Petar, por exemplo, não há sequer telefone -é preciso percorrer cinco quilômetros, até o Bairro da Serra, para usar o aparelho. Funcionários do parque, entretanto, têm radiocomunicador.
Medidas de correçãoAlém de exigir o plano de manejo, o Ibama fez solicitações específicas, emergenciais, para algumas grutas. No caso da caverna do Diabo, no parque Jacupiranga, quer a desativação imediata da iluminação no local, feita com lâmpadas incandescentes, que aquecem demais e provocam alterações no ambiente.
Já em relação à caverna de Santana, a mais visitada do Petar (foram 25 mil visitantes no ano passado), o instituto exige que seja elaborado um mapa de riscos para o visitante, que avise sobre abismos, teto baixo, piso escorregadio etc. (AB)
(Por Afra Balazina,
Folha de S. Paulo, 17/03/2008)