Inuits que enfrentam o derretimento do gelo na Groelândia, Dalits vulneráveis a enchentes e discriminados na Índia, Samis que temem a extinção dos rebanhos de renas no Ártico e indígenas que perdem as terras para plantações de biocombustíveis na América Latina são exemplos de 'vítimas silenciosas" das mudanças climáticas. Grupos étnicos minoritários e indígenas estão entre os mais atingidos e são frequentemente afetados de forma desproporcional segundo um relatório divulgado ontem pela ONG Minority Rights Group International (MRG).
O estudo State of the World´s Minorities (Estado das Minorias do Mundo, na tradução livre) analisa uma série de desastres ambientais ao redor do mundo e mostra que as minorias étnicas são os últimos grupos a serem atendidos. Dedicada em assegurar os direitos étnicos, religiosos e lingüísticos de populações minoritárias e indígenas do mundo, a MRG constatou que a situação de apuros que estes povos vivem ainda precisa ser reconhecida pela comunidade internacional.
"As mudanças climáticas estão finalmente no topo da agenda internacional, mas em todos os níveis, seja inter-governamental, nacional ou local, as sérias dificuldades que as minorias enfrentam são com freqüência esquecidas", diz a chefe de Políticas e Comunicação do MRG, Ishbel Matheson. Os Inuits, que vivem na Groelândia e se vêem ameaçados pelo degelo do território, entraram com uma ação legal contra os Estados Unidos na Comissão Interamericana de Direitos Humanos para tratar do problema ambiental que enfrentam.
"O caso não é ganhar compensação. Nós precisamos de apoio dos tomadores de decisão para compreenderem que nós estamos pagando o preço por aquilo que os outros estão fazendo com o meio ambiente. Eu espero que os governos percebam e se adaptem para o futuro. Nós somos nações pequenas e não podemos nos calar", explica o líder do povo Inuit da Groelândia Aqqualuk Lynge. O relatório, com 160 páginas, apresenta casos de grupos étnicos minoritários e indígenas de todo o mundo que são mais vulneráveis aos desastres climáticos porque vivem em regiões mais pobres e marginalizadas.
Os Dalits, que somam cerca de 179 milhões de pessoas, são fisicamente, socialmente e economicamente excluídos do resto da sociedade indiana. Muitos vivem em casas frágeis em áreas fora das vilas que são propensas a enchentes. Quando Dalits de Bihar, na Índia, foram desproporcionalmente afetados nas enchentes de 2007, o auxílio demorou a chegar e eles foram submetidos a clara discriminação no processo de distribuição de ajuda.
Um levantamento feito por organizações Dalits em 51 vilas em agosto do ano passado mostrou que 60% dos mortos eram Dalits, que nenhuma colônia Dalit ligada às vilas principais recebeu a visita de oficiais do governo com ajuda humanitária e que as casas dos Dalits sofreram os piores danos por causa da pobreza na construção e da região onde estão.
Na Europa, as condições das casas de comunidades de ciganos também são notoriamente insalubres. In Jarovnice, na Eslováquia, que sofreu a pior enchente de sua história em 1998, cerca de 140 casas de ciganos foram afetadas, comparada com 25 de não ciganos, e das 47 pessoas mortas, apenas duas não eram ciganos.
Inter-relação com a natureza
A íntima relação de muitos povos indígenas e algumas minorias com o meio ambiente os fazem especialmente sensíveis ao impacto das mudanças climáticas. "Os povos indígenas possuem um conhecimento extraordinário do tempo e os efeitos nas plantas e animais, mas as mudanças climáticas estão agora afetando o seu modo de vida", traz o relatório. No Ártico, onde o aquecimento atmosférico acontece duas vezes mais rápido que no resto do planeta, existem cerca de 400 mil indígenas, entre eles os Sami do norte da Noruega, Suécia, Finlândia e Rússia.
O vice-presidente do quadro executivo do Conselho Sami, Olav Mathis-Eira, diz que a elevação das temperaturas e o aumento das chuvas dificultam o acesso das renas ao líquen, a base de sua alimentação e que no inverno pode estar coberto por gelo. Muitos aspectos da cultura dos Sami - língua, sons, casamento, transporte de crianças e tratamento de idosos - estão intimamente ligados à criação de rebanhos de renas. "Se os rebanhos desaparecerem isto terá um efeito devastador em toda a cultura do povo Sami. Desta maneira, eu acredito que as mudanças climáticas afetam os Samis como povo", afirma Mathis-Eira.
"Na nossa comunidade, os anciãos interpretam certos sinais da natureza para saber quando plantar ou quando inicia a estação de caça. Porém com as mudanças climáticas está se tornando impossível fazer previsões como esta", afirma David Pulkol, da comunidade Karamajong, na Uganda. Pulkol ressalta que o aumento anormal das secas resultou em uma grande perda de mantimentos, aumentando a pobreza e fome na comunidade.
Biocombustíveis
Vistos como opções verdes por produzirem menos emissões de dióxido de carbono, os biocombustíveis também afetam estas populações. "Terras são desapossadas e seu modo de vida é destruído para dar lugar a plantações de biocombustíveis. Na América do Sul, em países como Colômbia, Brasil e Argentina, os indígenas e minorias étnicas são forçados a deixar suas terras, em alguns casos com o uso de violência, para abrir caminho para as plantações", afirma a MRG.
Na Colômbia, 10 dos 92 grupos indígenas estão em perigo de extinção segundo um relatório especial das Nações Unidas. "Tanto comunidades indígenas quanto afro-descententes sofrem deslocamento massivo das suas terras (em Choco, no noroeste da Colômbia)", afirma o ativista indígena Aparício Rios, líder do Conselho Regional de Indígenas Caucasianos (CRIC). Rios diz que os grupos paramilitares primeiro aterrorizam e depois expulsam os povos das suas terras para cultivar óleo de palma. "Eles são ricos, armados, poderosos e com freqüência financiados por donos de grandes propriedades."
(Por Paula Scheidt*, Rebia, 12/03/2008)