Além de fator permanente de poluição das águas da Baía de Todos os Santos, a ausência de saneamento básico nas ilhas soteropolitanas de Maré, dos Frades e Bom Jesus dos Passos deixa os mais de 20 mil moradores expostos a uma série de doenças contagiosas. Eles convivem com o problema há décadas e já se revelam desesperançosos com qualquer solução próxima. Mas a prefeitura e o governo garantem que, em junho, começam as obras de construção de uma rede de esgoto nas três localidades com recursos federais vindos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
A situação é mais crítica em Ilha de Maré, onde moram 15 mil pessoas, segundo dados da prefeitura. Ilustrativo é o caso da localidade conhecida como Praia de Santana, onde há sistema de abastecimento de água, mas não de esgotamento sanitário. Nas ruas de terra batida, predomina o cheiro fétido do esgoto a céu aberto misturado ao salitre.
Crianças pisam sem proteção na água em tom escuro, na beira da praia, onde os dejetos humanos são jogados sem nenhum tipo de tratamento. Nas duas escolas municipais existentes no local, os alunos sofrem com o mau cheiro proveniente das valas do poluído Rio do Fuxico. Batalhões de moscas assolam quem passa e ratos com tamanho de causar à inveja a um gato adulto são presenças constantes, principalmente durante a noite.
O depósito de lixo existente próximo à praia é fonte do líquido conhecido como chorume, resultante da decomposição do material orgânico, que se infiltra no mar. A poluição decorrente, além de atravancar a produção pesqueira, colabora para o aparecimento de fenômenos como a maré vermelha.
“Uma das poucas diversões que a gente tem é tomar um banho na praia, mas nem isso a gente pode mais”, resigna-se a dona de casa, Solange de Aquino. Sem higienização adequada, os moradores estão à mercê do contato nocivo com substâncias poluentes, além da contaminação por diversos tipos de enfermidades, a exemplo de verminoses, cólera, amebíase, diarréia, disenteria e febre tifóide.
“Não é saudável para ninguém viver numa situação desta. Meus filhos já tiveram problemas com micoses e pano branco e dor de barriga”, diz o vendedor ambulante, José Carlos, 58 anos de idade, todos vividos em Ilha de Maré. Não há dados disponíveis sobre as doenças sofridas pela população já que um improvisado posto médico só funciona em Ilha de Maré às sextas-feiras.
Uma unidade do Programa Saúde da Família (PSF) será instalada em junho e outra já está sendo implantada na Ilha de Bom Jesus dos Passos, que como a primeira, tem sistema de abastecimento de água, mas não de esgotamento sanitário. Ilha dos Frades não tem nenhuma das duas coisas.
Obras estão sendo licitadasSe o cronograma de obras previstas nas três ilhas forem cumpridos, a situação pode mudar a partir do mês de junho. A Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa) afirma que está em processo de licitação obras de esgotamento sanitário em Ilha de Maré. Com orçamento em torno de R$4,5 milhões, prevê a implantação de dois subsistemas de esgotamento para dar conta da coleta e destinação adequada dos esgotos domésticos de todas as localidades da ilha.
Devem ser implantadas em Ilha de Maré, segundo a Embasa, 1.306 ligações domiciliares num sistema de 12,5 mil metros de rede coletora e 4,3 mil metros de linhas de recalque, além de sete estações elevatórias para bombear o esgoto até duas estações de tratamento. A verba é toda do PAC do governo federal.
Ainda de acordo com a Embasa, o esgoto será enviado para lagoas de tratamento, onde passará por processo biológico de depuração que elimina toda a carga orgânica e elementos patogênicos. O efluente tratado deve ser destinado ao mar por dois emissários com trechos terrestre e subaquático.
Obras semelhantes estão previstas nas outras ilhas. Bom Jesus dos Passos, por exemplo, deve receber investimentos de R$ 5,5 milhões, também vindos do PAC. De acordo com a Superintendência Municipal de Meio Ambiente, os projetos já contam com o licenciamento ambiental.
Os moradores, no entanto, mostram-se céticos: “Nós estamos cansados de promessas. Há anos aparecem por aqui técnicos da prefeitura e do governo, fazendo análise tirando fotos de tudo, mas obra que é bom, nada. Na Ilha de Maré não falta só rede de esgoto, falta posto de saúde decente, falta um atracadouro, ou seja falta tudo”, diz o pescador Gilmar José.
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Correio da Bahia, 13/03/2008)