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gestão de resíduos
2008-03-13

Quem vive no espaço urbano pode ter a falsa impressão de que no meio rural, que concentra apenas cerca de 19 % da população (1), o problema do lixo é insignificante. Como veremos a seguir, os resíduos da produção vegetal e animal podem gerar uma quantidade de lixo muito significativa. Todavia, parte considerável do problema pode virar solução no dia-a-dia da propriedade.

Dados do IBGE (2) mostram que o trabalho de coleta de lixo na área rural ainda é insuficiente, atingindo apenas 20% dos domicílios brasileiros. E ntre as famílias residentes nas áreas rurais, 60,6% não contam com serviços de abastecimento de água e cerca de 80% informam não dispor de serviços de coleta de lixo. No início dessa década 52,5% do lixo do meio rural era enterrado ou queimado. A realidade mostra que o lixo rural tem coleta cara e difícil o que leva os agricultores a optarem por enterrá-lo ou queimá-lo.

O que se encontra no lixo rural

O lixo pode ter composição extremamente variada, dependendo basicamente da natureza de sua fonte produtora. Além de suas origens, o lixo também varia qualitativa e quantitativamente com as estações do ano, com as condições climáticas, com os hábitos e o padrão de vida da população. Em suma, podemos dizer que “os resíduos sólidos representam o fiel retrato da sociedade que os geram”, e quando expostos nas vias públicas ou nas propriedades rurais, mostram o nível de competência das pessoas ou empresas responsáveis por sua administração. Um aspecto interessante é que nas propriedades orgânicas que recebem um selo de certificação, uma disposição inadequada do lixo pode causar a perda do credenciamento junto à entidade certificadora.

Além de todos os tipos de lixo normal, que incluem a matéria orgânica do dia-a-dia, restos de alimentos, o material reciclável (vidros, latas, papel e plásticos), entre outros mais comuns, alguns tipos não despertam cuidados e podem causar sérios danos ao ambiente da propriedade, por conter elementos químicos na forma iônica que são absorvidos e acumulados pelo organismo. São elementos presentes nas pilhas e baterias, que lança níquel e cádmio no ambiente; nas lâmpadas que possuem mercúrio, um metal pesado e tóxico que pode contaminar solos e a água; nas pastilhas e lonas de freios, que contêm amianto e se acumula nos pulmões; nos adubos químicos, que são ricos em fósforo; nas embalagens de agrotóxicos e produtos veterinários, além de dejetos de animais com especial atenção para suínos e aves.

Embalagens de agrotóxicos: recolhimento virou lei

O Brasil ainda é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo. A preocupação com o descarte inapropriado das embalagens levou o governo a criar uma lei (3) que estabelece normas para recolhimento das embalagens, envolvendo não só o usuário, mas também o fabricante.

As embalagens de agrotóxicos recolhidas no programa coordenado pelo Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (Inpev) podem ter dois destinos. As que não são laváveis (como sacos plásticos e caixas de papelão) são incineradas e o restante do material coletado é reciclado. A maior parte desse lixo tóxico já está sendo reciclada e vira matéria-prima para produtos como cordas, conduítes corrugados, madeira plástica, sacos plásticos para lixo hospitalar, embalagens para óleo lubrificante, barricas e tampas para embalagens de defensivos agrícolas.

Um dos maiores entraves para os produtores cumprirem a legislação é o transporte do material até os postos de coleta, em função das distâncias, condições das estradas e falta de estrutura de armazenamento adequada nas propriedades. Informar o produtor sobre como diminuir ou eliminar o uso desses produtos é um outro grande desafio ambiental.

Dejetos de animais: problema de contaminação da água

A falta de tratamento adequada à grande quantidade de dejetos produzidos, sobretudo na suinocultura, é justamente um dos graves problemas que a intensificação da produção trouxe para o meio ambiente e à própria sociedade. Segundo dados da Empresa de Pesquisa e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) a poluição do meio ambiente na região produtora de suínos é alta. Enquanto para o esgoto doméstico, o DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio) é de cerca de 200 mg/litro, o DBO dos dejetos suínos oscila entre 30 mil e 52 mil mg/litro, ou seja, um aumento em torno de 260 vezes. Além disso, um suíno produz cerca de 2,5 mais dejetos do que um ser humano.

Dejetos de suínos ao ar livre

Um fato preocupante em nível nacional, para as próximas décadas, é a tendência de concentração de produção de carne suína em mercados de países em desenvolvimento como o Brasil. Os países desenvolvidos já não querem mais arcar com o ônus da poluição ambiental. Preferem instalar suas empresas em países com uma legislação ambiental pouco fiscalizada e importar o produto acabado. Para se ter uma idéia, o estado do Mato Grosso deve chegar a um rebanho suíno de 3 milhões (4) de cabeças em 2010. Da mesma forma como o tratamento de esgoto humano é urgente no meio urbano, o tratamento de dejetos de suínos deve receber o máximo de atenção no meio rural, em função do volume produzido e potencial poluente.

A energia e criatividade que vêm do lixo

O lixo rural também pode ser fonte de energia elétrica, tornando o produtor auto-suficiente. Com o biodigestor, o produtor rural pode transformar os dejetos de suínos, de aves e de bovinos em alternativa energética (gás metano), além de obter um excelente adubo orgânico (biofertilizante).

A matéria-prima mais utilizada no biodigestor, o esterco animal, pode ser reciclado dentro da propriedade. Outros tipos de compostos orgânicos também podem ser utilizados, tais como: restos de cultura, capins, lixos residenciais e de agroindústrias.

O uso do biodigestor permite dar novo destino ao esterco recolhido, que muitas vezes é lançado nos rios ou armazenado em locais não apropriados. Desta forma, além de produzir energia e biofertilizante, o produtor melhora o saneamento da propriedade, erradicando o mau cheiro, a proliferação de moscas e diminuindo a poluição dos recursos hídricos.

Para se ter uma idéia uma produção diária de 50 kg de esterco pode gerar cerca de 91 m 3 /mês de gás, equivalente a 2,8 botijões de GLP por mês ou 33 botijões/ano (5). Caso a produção de biogás fosse convertida em eletricidade (5,5 kWh/m3 biogás), resultaria em 505 kWh/mês, correspondente a um valor de R$ 267,00/mês.

Vale lembrar que a construção do biodigestor é simples e tem mostrado bons resultados em substituição ao gás derivado do petróleo. O entrave maior está na necessidade de investimentos iniciais elevados para a distribuição do gás, visto que a maioria das residências rurais ainda não possui instalações internas para o gás canalizado.

Vários tipos de rejeitos ou subprodutos agroindustriais, quer sejam sólidos, líquidos ou gasosos, também podem ser utilizados como combustível. Até o momento, tem-se relato da utilização de subprodutos de laticínios, como o lodo anaeróbio, o soro, a gordura, e uma massa pastosa (quase idêntica ao iogurte). Além disso, a agroindústria da cana no interior de São Paulo já vem queimando subproduto de bagaço de cana para suprir a demanda energética das indústrias.

Outra alternativa é o aproveitamento dos restos de culturas para agregar valor, como é o caso, por exemplo, da fibra da bananeira e da cana utilizadas como matéria-prima na fabricação de papel. No artesanato, entre diversas opções, a palha da bananeira tem se destacado na fabricação de sacolas, abajures e jogos para mesa. Na horticultura, a fibra reciclada do fruto do coco tem se mostrado como um substituto altamente satisfatório para o xaxim, espécie ameaçada de extinção, no cultivo de mudas de hortaliças, flores e plantas ornamentais.

Coleta seletiva, reciclagem e consumo consciente: solução inteligente

O melhor meio para o tratamento do lixo ainda é a coleta seletiva, por meio da separação, nas propriedades, em categorias como vidro, papel, metais e lixo orgânico. Ao material orgânico pode ser aplicado o processo de compostagem (decomposição da matéria orgânica) ou a vermicompostagem (uso de minhocas na decomposição e produção de húmus) em que o produto final pode ser aproveitado como adubo orgânico.

Algumas ações pioneiras mostram que o ideal é orientar os agricultores, por meio de um trabalho de educação ambiental, para reciclar a matéria orgânica na sua propriedade. Além disso, postos de reciclagem para a destinação e controle das embalagens de agrotóxicos e produtos veterinários, devem ser viabilizados para facilitar a coleta.

Vermicompostagem: Uso de minhocas na reciclagem de lixo orgânico

As novas estratégias para gestão de resíduos sólidos implicam numa mudança radical nos processos de coleta e disposição de resíduos. Os novos sistemas de tratamento de lixo devem ter como prioridade a montagem de um sistema circular, onde a quantidade de resíduos a serem reaproveitados dentro do sistema produtivo seja cada vez maior e a quantidade a ser disposta no ambiente cada vez menor, bem como uma diminuição dos resíduos produzidos nas fontes geradoras.

Para finalizar, é preciso que o consumidor consciente esteja cada vez mais atento ao que acontece no ambiente rural, conhecendo e obtendo informações sobre o alimento desde a sua produção até o momento de chegar a sua mesa. Uma das maneiras é verificar se o produto tem algum “selo de certificação”, como os orgânicos, por exemplo. Ser um consumidor cidadão é escolher um produto de menor impacto ambiental, ajudando na solução do problema do lixo.

Moacir Roberto Darolt é doutor em meio ambiente pela Universidade Federal do Paraná e Universidade de Paris 7. Atua como agrônomo e pesquisador no Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR). Contato: darolt@iapar.br

(Por Moacir Roberto Darolt, Revista Com Ciência/Rebia, 12/03/2008)

Notas de rodapé

1 IBGE. Censo Demográfico de 2000. Disponível em www.ibge.gov.br
2 IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares (2002-2003). Disponível em www.ibge.gov.br
3 Lei n.9.974/00
4 Estimativa do Instituto de Defesa Agropecuária do Estado do Mato Grosso (INDEA-MT).
5 Estudo realizado na Estação Experimental da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola - Jaguarari (BA). Quadros, D.G.; Valladares, R.; Regis, U. Aproveitamento dos dejetos de caprinos e ovinos na geração de energia renovável e preservação o meio ambiente. UNEB/EDBA, 2007. Disponível em http://www.capritec.com.br/pdf/ProfDanilo_UNEB.pdf

 


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