RESPONSABILIDADE SOCIO-AMBIENTAL DA FUNÁGUAS NO CASO BUNGE
A Bunge implantou-se no Piauí em 2002 com o propósito de desenvolver o Estado, explorando o agronegócio da soja, adotando o discurso ideológico da “última fronteira agrícola do País”. No seu projeto havia dentre as muitas reivindicações a serem concedidas pelo Poder Público, a maior, que contemplava a empresa com isenção de 100% de impostos, por 15 (quinze anos) sobre a soja, farelo, óleos e em todos os produtos fabricados.
Este benefício teria por objetivo dar competitividade para a empresa durante sua implantação, bem como nos anos que se seguiam. Ocorre que durante a implantação, a empresa não cumpriu requisitos básicos exigidos pela lei, como o EIA-Rima (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório). O estudo não passou de um arremedo de copiar-colar dos estudos inconsistentes que já existiam no Piauí a anos.
O que foi parcialmente elaborado, além de não abranger detalhamento da utilização da lenha como matriz energética, sequer cumpriu o rito de aprovação em Audiência Pública do empreendimento, como a Lei prevê. Estes vícios aconteceram devido à fragilidade do Estado do Piauí, carente de desenvolvimento, e vulnerável as pressões condicionantes imposta pela empresa para aqui se instalar. O Estado assim, capitulou, cedendo e até mesmo concedendo excessivas facilidades, até hoje questionadas.
Nesta situação, a FUNÁGUAS, rebelou-se contra os itens que contrariavam a legislação em vigor e os que causavam danos irreparáveis ao Piauí. Organizou o Encontro Ocupar com Sustentabilidade, na cidade de Uruçuí, para discutir a questão. Convidou o Prof. Doutor Álvaro Fernando de Almeida da ESALQ/USP, que após o encontro deu parecer desfavorável ao EIA/RIMA a ao modo como a Bunge estava se instalando no Piauí. Este parecer serviu de base para os Ministérios Públicos e a Funaguas ajuizarem a ACP. A FUNAGUAS ingressou como Litisconsorte Ativo, e posteriormente, logo após o TAC tornou-se a única na continuidade da Ação Civil Pública contra a Bunge, nos seguintes itens:
1. O EIA/Rima teve sua credibilidade posta em dúvida, no momento da descoberta de que foi elaborado com a participação da esposa do funcionário do IBAMA que forneceu o laudo de disponibilidade de lenha nativa para a queima em caldeiras;
2. Não aconteceu Audiência Pública para aprovação do projeto em face da perda de prazo do Ministério Público Estadual, faltando, assim, a transparência que a lei obrigava.
3. A viabilidade da utilização de lenha nativa como matriz energética, ter sido baseada no laudo do citado funcionário do IBAMA, que apresentava farta disponibilidade deste material.
O item n° 1, no decorrer da ação, o EIA foi complementado por Laudo Técnico do IPT/USP, pago pela Bunge, o qual, no afã de demonstrar que deveriam usar lenha no Piauí, anexou – para nosso espanto – relação oficial (que consta dos autos da ACP) de sua matriz energética em todo o País.
Lá, descobrimos que a BUNGE queimava lenha em 7 fábricas em todo o Brasil (ver www.funaguas.org.br título matriz energética).
Cai por terra assim, todo o argumento até então utilizado, de que a lenha utilizada era oriunda de áreas desmatadas para plantio de soja e que este material energético seria desperdiçado.
Assim, o que dizer sobre os 85,3% de lenha queimada em Campo Grande/MS?. Os 91,7% de lenha em Rondonópolis/MS? Os 79,8% de lenha em Luziânia/GO, a 30 Km de Brasília? Os 97,5% de lenha em Luiz Eduardo Magalhães/BA? Os 100% do nosso Uruçuí/PI? E os 48,0% em Rio Grande /RS, esta em região de Mata Atlântica?
O item 2° aconteceu sua aprovação, após a Ação Civil Pública e no meio de uma verdadeira “convulsão” de mídia paga, dirigindo a opinião pública para entendimento de que o destino do Estado estava visceralmente ligado a implantação da multinacional. Soma-se a isso a propaganda disseminada por parte da Bunge que caso não cedessem a seu interesse a empresa estaria se retirando do Piauí. O próprio presidente da Bunge no Brasil, esteve no Piauí, para fazer esse alerta pessoalmente ao governo do Piauí.
O item 3° discutido pela FUNÁGUAS, sobre o uso das nossas matas para queima em caldeiras, era insensato, desnecessário, agredia o meio ambiente e, objetivava apenas redução de custos para a empresa, já tão competitiva e contemplada de tantos mimos.
Entretanto, o mais grave foi descoberto no decorrer do processo e objeto de pedido de abertura de Inquérito Civil Público, no momento em descobriu-se através de documentos anexados pela própria BUNGE em que – supõe-se - mais de 80% das Guias Florestais utilizadas para legalizar sua lenha era “frias” ou de localidades onde não acontecia plantio de soja, como Luiz Correia no litoral do Piauí, região de manguezais, a 850Km da fábrica.
Neste caso, ainda não apurado, o menor crime cometido pode ser o de ter ultrapassado o limite máximo de 30 km autorizados para o corte de lenha pelo IBAMA (Ofício 164/2003 – DITEC/IBAMA-PI) e o maior, o de estelionato e contrabando.
A situação atual demonstra que a BUNGE não gerou os empregos prometidos, em torno de 50 diretos, não ampliou a estrutura de esmagamento, não montou a fábrica de óleos refinados, margarina e rações balanceadas compromissadas no Projeto de Incentivos, e, por 5 (cinco) anos queimou lenha, pretendendo continuar, utilizando-se do TAC ora cancelado, que generosamente lhe concedeu mais 3 (três) anos além do prazo previsto pelo estudo do próprio IPT para a mudança da matriz energética já em 2.008. O Governo até o momento não apresentou demonstrativo dos dez mil postos de empregos indiretos que foram prometidos.
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região por unanimidade de votos dos 3 desembargadores, determinou a desconstituição do TAC, a suspensão na utilização de lenha pela empresa como matriz energética, anulou a sentença de 1º grau e ordenou a volta do processo ao juízo de origem para a realização de perícia sobre os danos ambientais e conseqüente prolação de sentença de mérito.
A decisão judicial neste processo é a demonstração de que a causa da FUNÁGUAS não é leviana ou patrocinada por Ambientalistas fora da realidade e sim uma causa coletiva contra a insustentabilidade deste empreendimento no Piauí, quando utiliza lenha nativa.
Convém lembrar que a matriz energética é apenas um item que compõe todos os custos de um negócio, tais como: soja como matéria prima, embalagens, gente, energia elétrica, fretes, água, tratamentos, impostos federais, etc, portanto não determinantes de sua sobrevivência.
Compete à empresa usar uma matriz energética LEGALIZADA, cumprir as leis do Brasil e ai sim, nós da FUNÄGUAS nada mais teríamos a discutir sobre este empreendimento.
FUNDAÇÃO ÁGUAS DO PIAUÍ - FUNÁGUAS
Judson Barros
Presidente
(Por Judson Barros, presidente da Funaguas, ONG do Piauí, Eco Agência, 12/03/2008)