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2008-03-12
Área está nas mãos de agropecuária. E caso vai ser decidido pela Justiça Federal.

O juiz federal substituto da 5ª Vara de Belém, Antonio Carlos Almeida Campelo, decidiu que a Justiça Federal é competente para processar e julgar ação civil pública, com antecipação de tutela, em que populações tradicionais de Portel e a prefeitura do município pleiteiam a suspensão dos registros imobiliários de 100 mil hectares de terras da área conhecida por gleba Joana Peres 1. As famílias também cobram a realização de ação discriminatória e, definidas as posses, o cancelamento dos registros de imóveis emitidos pelo Instituto de Terras do Pará (Iterpa) em nome da empresa Agropecuária Brasil Norte S.A. Produção e Exportação (ABC), hoje estabelecida na área ao longo dos rios Camarapi e Pacajá.

Segundo Campelo, a competência federal se estabelece em face da necessidade de a União integrar a lide no pólo passivo, 'pelo fato de ser discutida possível apropriação indevida de terras públicas federais'. O juiz também determinou a intimação dos réus - Estado e ABC - para se manifestarem no prazo de dez dias acerca do pedido de tutela antecipada. E marcou a primeira audiência para o próximo dia 29 de abril. A causa da ação está avaliada em R$ 200 milhões, mas esse valor será definido pela própria Justiça no final do processo.

O advogado Ismael Moraes, defensor dos ribeirinhos, invoca a imprescritibilidade dos direitos humanos para anular a venda das terras, feita em 1974. As famílias querem ser indenizadas por danos morais coletivos e exigem do Iterpa a emissão a seu favor dos títulos definitivos das posses que forem identificadas no processo discriminatório. Perguntado se o caso irá correr com celeridade na Justiça Federal, Moraes respondeu que a decisão do juiz Antonio Carlos Campelo 'foi admirável', pois, de uma só vez, determinou várias providências, 'atendendo ao cunho social e humano de uma causa que envolve mais de 500 famílias de ribeirinhos'.

Denúncia
Enquanto Moraes concedia entrevista, os ribeirinhos de Portel procuravam a imprensa para denunciar ameaças e perseguições na área, inclusive de pistoleiros e policiais militares armados. A acusação recai sobre a empresa madeireira Cikel, tida como exemplo de respeito ao meio ambiente e de ter selo internacional em seus planos de manejo. Um dos denunciantes, Rosemiro Gomes Ferreira, declarou em depoimento na Corregedoria da Polícia Militar que teve arma apontada contra ele por policiais militares e proibido de cortar madeira. 'Fui ameaçado por dois pistoleiros a serviço da Cikel. Eles disseram que se eu falasse alguma coisa iria morrer', diz.

Outro ribeirinho, Hernandes do Amaral, também confirmou as ameaças, apontando que no meio da operação feita por militares na região estavam três funcionários da Cikel de nomes Manoel Glória, Bertolino e outro de apelido Doçura. 'Os PMs invadiram minha casa, dizendo que estavam procurando drogas e de um homem chamado Nicanor'. Outras pessoas também afirmaram ter sofrido ameaças e intimidação por parte da Cikel e de policiais militares.

Caso será denunciado a tribunais internacionais de direitos humanos
O caso das terras de Portel será levado aos tribunais internacionais de direitos humanos, anunciou o advogado Ismael Moraes. Ele acusa o Estado - por intermédio da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) e da Polícia Militar, além da União, por meio de fiscais do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) - de promover 'repressão às famílias de ribeirinhos atendendo aos interesses das empresas madeireiras e pecuárias que foram beneficiadas pela fraude perpetrada no Iterpa (Instituto de Terras do Pará)'.

A PM, segundo ele, estava sendo usada como instrumento de pistolagem, embora faça ressalva à 'postura elogiável que a Corregedoria da corporação está tendo diante do problema'. Quinze PMs, entre sargentos, cabos e soldados, acusados de invadir casas, atirar, torturar e tentar expulsar famílias de ribeirinhos foram afastados. Postura idêntica, ataca, não se vê do Iterpa e nem da Procuradoria do Estado, 'que parecem querer defender os interesses das empresas'. 'Aliás, uma coisa que a procuradoria do Iterpa e a Procuradoria do Estado poderiam fazer seria pedir para passarem ao pólo ativo da ação, pois os autores - município de Portel, Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Associação dos Trabalhadores Agro-extrativistas - entendem que a autarquia e o Estado não devem responder por atos praticados por agentes corruptos há 30 anos, evitando eventual condenação nos ônus da sucumbência, que serão altos'.

Nesta entrevista, Moraes afirma que defender esses atos até hoje configura improbidade, demonstrando um envolvimento inconfessável dos atuais agentes públicos com as empresas. 'Fiquei impressionado com a tranqüilidade do sr. Girolamo Trecani ao defender que as terras ocupadas pelas famílias são propriedade da empresa ABC, quando no seu livro ‘Violência e Grilagem’ ele diz exatamente o contrário. Esse livro será juntado aos autos do processo como prova', critica. Veja a entrevista a seguir:

Denúncias vindas de Portel apontam a presença de pistoleiros e policiais militares fardados que estariam a serviço das empresas ABC e Cikel, promovendo ameaças e expulsão de ribeirinhos das terras que são objeto da ação civil pública. O que o senhor pretende fazer?

Atualmente, os PMs que participavam dessa pistolagem foram afastados pela Corregedoria. Mas tem havido incursões intimidatórias de pistoleiros armados com pistolas automáticas e escopetas calibre 12 nas terras das famílias. Também algumas lideranças locais, como os representantes do sindicato e da associação, a vereadora Simone Moura e o engenheiro florestal Luciano Fonseca receberam telefonemas anônimos advertindo que deveriam 'se cuidar'. Estas duas pessoas são algumas das testemunhas que serão ouvidas na audiência designada pelo dr. Antonio Carlos de Almeida Campelo, juiz federal da 5ª Vara Federal. Talvez isso seja um modo de fazê-las demover de prestar seu testemunho. Já as orientei a pedir ao delegado de polícia de Portel a abertura de inquérito. Após a audiência, pedirei ao juiz que nomeie oficial da Justiça Federal para ir à região, a fim de que sejam tomadas providências contra os responsáveis.

O Iterpa alega que estava negociando com as comunidades da região uma solução pacífica quando foi surpreendido pela ação civil pública. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

Isso é uma mentira sórdida! Ao contrário, o Iterpa está paralisando, como represália, o processo de criação de uma reserva extrativista que as famílias da região do Baixo Rio Camarapi postularam. A ação proposta diz respeito às regiões do Alto Rio Camarapi e do Rio Pacajá, envolvendo os igarapés Moconha e Candiru. Eles não possuem justificativa séria, daí mentirem. Fico imaginando como essas pessoas conseguem olhar para os demais funcionários que lá trabalham e sabem que elas estão participando desse conluio para prejudicar famílias pobres em favor de grandes empresas.

Quais os próximos passos do processo?
Os réus e o Ministério Público Federal estão sendo intimados para se manifestar acerca dos pedidos de tutela antecipada - paralisação das atividades das empresas ABC e Cikel na região, a fim evitar o exaurimento dos recursos naturais e prejuízos irreversíveis às populações tradicionais - e há audiência de justificação designada para o dia 29 de abril próximo, após o que o juiz decidirá acerca dos pedidos de tutela antecipada. Não sei qual será a posição do MPF, que foi procurado há quase um ano pelas lideranças das comunidades, levadas então pelo vereador Arnaldo Jordy, ocasião em que o procurador da República, Felício Pontes Jr., demonstrou interesse em defendê-las, mas não abriu nenhum procedimento nesse sentido. A Procuradoria da República e o Ministério Público Estadual poderiam integrar o processo como litisconsortes ativos, defendendo as famílias, mas desconheço qualquer ato nesse sentido. Após a apreciação dos pedidos de tutela devem surgir recursos, mormente se o Iterpa e o Estado do Pará continuarem defendendo os interesses das empresas em detrimento da vida de ribeirinhos. (C. M.)

Iterpa prepara defesa e aponta fraude na compra de lotes por empresa
O diretor do Departamento Jurídico do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), Flávio Manso, disse que o órgão vai se defender, mas não da maneira como a ação civil pública impetrada por ribeirinhos da área vendida pelo Estado à empresa ABC está posta na Justiça Federal. Três situações serão abordadas na defesa. Primeiro, o Iterpa não entrará no mérito da questão que envolve direitos humanos, tida como ponto pacífico.

'Como se trata claramente de um direito territorial, ele tem ações comuns que fazem valer esse direito, como legitimação de posse e usucapião. Não faz parte da estratégia do Estado enfrentar este tipo de tema'. A preocupação do Iterpa, na opinião de Manso, é 'equacionar o passivo fundiário' de Portel. Em termos jurídicos, afirma o diretor, há indícios de violação à norma constitucional que limitava a alienação de terra da União e do Estado a três mil hectares. A autorização para a venda de terra acima desse limite teria que ser feita pelo Senado.

A violação própria da norma constitucional não prescreve, compreende Manso, que informou ter o Iterpa criado uma comissão para analisar a fraude que permitiu à empresa ABC adquirir mais de 240 mil hectares na região. 'A aquisição foi feita pela interposição de outras pessoas. O ato, portanto, foi inconstitucional', sentencia. O Iterpa, no seu entendimento, poderia, por intermédio do artigo 15 das disposições transitórias da Constituição Estadual, convalidar a venda das terras de Portel e enviar o caso para o Congresso Nacional.

O Estado, adianta, vai defender a licitação, entendendo que se houve fraude ela foi praticada pelo agente privado. 'Os laranjas concentraram essas terras no nome de uma empresa', observa. Agora, se este ato é nulo ou anulável, ele não vê problema nenhum. Caso o Congresso Nacional convalide esse ato, o problema será dele. A Constituição permite que o Estado faça a revisão de todos os títulos de terra expedidos até 1952. Essa revisão só cabe ao próprio Estado.

Esta é a tese principal - a imunidade de jurisdição - a ser defendida na Justiça Federal. De acordo com Manso, não cabe ao Judiciário se pronunciar sobre uma revisão que só o próprio Estado pode e tem competência para fazer. 'Se não houver nenhum problema possessório na área, o Iterpa irá convalidar o título expedido', adianta. Uma coisa, para o chefe do setor jurídico do Iterpa, está clara: houve apropriação de terras a mais daquelas vendidas. Os ribeirinhos estariam no excesso e não na área titulada, resume. Somente perícia irá esclarecer qualquer dúvida.

Nas áreas próximas dos rios da região não houve titulação, garante Manso, com base em levantamento recente feito pelo Iterpa. 'Se as terras não foram tituladas, eles (ribeirinhos) não poderiam estar brigando com a empresa ABC', resume o advogado. Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre todas as partes envolvidas na disputa poderia ser a solução conciliatória para evitar prejuízo a qualquer dos interessados. (C. M.)

Cikel nega ameaça de expulsão de famílias e de contar com apoio da PM
O advogado Virgílio Floriani, gestor jurídico da Cikel, negou que a empresa esteja ameaçando de expulsão os ribeirinhos e se disse surpreso com as informações de que ela estaria se utilizando de pistoleiros e policiais militares fardados para intimidar as famílias residentes ao longo dos rios Camarapi e Pacajá. 'Não temos esse tipo de prática na empresa. Esse fato é errado', resume. Ele atribui essas denúncias, que garante serem infundadas, à inquietude dos ribeirinhos em ter como resposta uma solução para os problemas que vivem.

Os ribeirinhos afirmam que a Cikel não está permitindo que um pequeno trator da comunidade retire madeira da área para atender às necessidades emergenciais das famílias. Um dos homens supostamente a serviço da empresa teria dito que eles iriam parar de qualquer maneira de explorar madeira, nem que fosse sob balas. Floriani responde à acusação, repetindo não existir nenhum tipo de ameaça contra os ribeirinhos. E acrescenta desconhecer que as famílias utilizem trator, pelo menos nas áreas da Cikel.

Em plano de manejo da empresa, localizado em área distante das comunidades ribeirinhas, o advogado reconhece ter havido uma invasão, mas de madeireiras ilegais. A Cikel comunicou a invasão aos órgãos competentes para que fossem tomadas providências. 'É com um pouco de apreensão e tristeza que a empresa vê essas notícias. A Cikel, ao ter um plano de manejo em Portel, tem como objetivo fomentar o equilíbrio social e a sustentabilidade ambiental da região. Estamos já há algum tempo lutando para estabelecer isso e sempre consideramos os direitos dos ribeirinhos', resume o advogado.

Para a engenheira florestal e gerente de Meio Ambiente da Cikel, Wandréia Baitz, a empresa foi surpreendida duas vezes: primeiro com as informações sobre ameaças inverídicas. Depois, com a própria ação civil pública em nome dos ribeirinhos. 'Nós estamos intermediando uma ação para que haja paz social na área. O importante é que o manejo na nossa área seja feito de forma responsável como tem sido', acrescentou a engenheira.

Em junho do ano passado, a empresa encomendou um diagnóstico da região ao Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Esse diagnóstico vai responder a muitas questões que hoje a empresa desconhece, como, por exemplo, o número exato de famílias que vivem na área.

(O Liberal, 11/03/2008)





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