Líderes comunitários indígenas enviaram uma carta às autoridades da Nicarágua reclamando proteção diante da ameaça de um gigantesco incêndio florestal que poria em risco cerca de 60 mil famílias. “As comunidades têm medo, mas estão trabalhando duramente para evitar uma catástrofe. Sabem que com tanta floresta caída, um incêndio acabaria para sempre com seu habitat”, disse Brooklin Rivera, deputado do partido indígena Yatama. Em setembro de 2007 o furacão Félix derrubou mais de um milhão de hectares de florestas, e o risco de um incêndio ameaça 12 comunidades aborígines em Puerto Cebezas, um municpio do Caribe nicaragüense, 445 quilômetros a noroeste de Manágua.
Segundo Rivera, os indígenas queimam todos os anos áreas de floresta para preparar a terra e cultivá-la. “Houve mínimos incêndios que foram controlados. Mas estamos insistindo, através de emissoras de rádio da região, e de forma direta por meio de líderes religiosos, comunitários e professores, para que não façam queimadas porque de um momento para outro a selva pode desaparecer”, disse o deputado à IPS. O furacão Félix devastou uma faixa de floresta de 75 quilômetros de largura e mais de cem quilômetros de comprimento na Região Autônoma do Atlântico Norte da Nicarágua, segundo estudos do Instituto Nacional Florestal.
Rivera disse que o governo realiza esforços para prevenir um sinistro através da organização e capacitação de brigadas comunitárias, treinadas pelas instituições do Sistema Nacional de Prevenção e Atenção a Desastres. Um dos principais problemas que enfrentam as comunidades é que o aproveitamento das árvores derrubadas não acontece de maneira rápida. “Há madeira suficiente para construir três vezes todas as igrejas, escolas e casas destruídas, mas não existe capacidade neste momento para processar todas elas”, disse Rivera. São necessárias 30 serrarias industriais, mas são apenas cinco instaladas e funcionando, acrescentou.
Dados da Presidência da República indicam que o Félix destruiu 20.394 casas, 57 igrejas, 102 escolas e 43 centros de saúde, alem de afetar 1,3 milhão de hectares de florestas, incluindo parte da Reserva de Biosfera de Bosawas. O coronel Mario Perezcassar, chefe de Defesa Civil do Exército, expressou sua preocupação pela alta vulnerabilidade de mais de 60 mil famílias na região do desastre, habitada principalmente por indígenas miskitos, mayagnas e de outras etnias. Há 139 comunidades na zona de risco, alertou.
“Falamos de combustível altamente volátil. São mais de 15 milhões de metros cúbicos de madeira que estão secando e apodrecendo e entre elas há coníferas, que são resinosas e altamente inflamáveis”, disse o militar. A mudança climática, neste caso, foi uma ajuda. “Graças a Deus chove na região e isso ameniza o calor. Mas abril será dramático porque não choverá mais e aí estará o maior perigo”, disse Perezcassar. “Criamos um corpo de 200 soldados preparados como bombeiros florestais enviados permanentemente para a zona de risco”, acrescentou. Além disso, são feitas patrulhas terrestres, vôos de reconhecimento e vigilância através de satélites pára detectar incêndios.
Mas o cientista Jaime Incer Barquero, que em 2006 recebeu o prêmio National Geographic-Buffet em Liderança Conservacionista na América Latina, considera que essas medidas são insuficientes. “Deve haver mão forte, muita campanha urgente de educação e uma presença ampla e permanente para evitar que os camponeses queimem as terras nessa área”, disse à IPS. Barquero afirmou que as autoridades subestimam o risco. Um incêndio nessa região não afetaria apenas a Nicarágua, mas toda a América Central, com a perda dos últimos pulmões naturais da região. “Essa área fica próxima da Reserva de Biosfera de Bosawas, declarada patrimônio da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Um incêndio acabaria com milhares de anos de desenvolvimento natural”, alertou o cientista.
(Por José Adán Silva, IPS, 10/03/2008)