Ainda é difícil prever os efeitos locais do fenômeno climático La Niña, responsável por catastróficas inundações na Bolívia, Equador, Peru e Argentina e de uma grave seca no Chile. Já há quase uma centena de mortos e milhões de vítimas. La Niña e El Niño são as fases extremas de um fenômeno oceânico-atmosférico conhecido como “El Niño Oscilação do Sul” (ENOS), que ocorre na zona equatorial do Oceano Pacifico com um intervalo de dois a sete anos, afetando muitas regiões.
La Niña se caracteriza pelo esfriamento atípico das águas superficiais do mar e pelo aumento dos ventos alísios, que viajam do leste para oeste sobre a faixa do Equador. El Niño, mais estudado, possui características opostas: aquecimento das águas e enfraquecimento dos ventos alísios. La Niña costuma provocar chuvas intensas na Colômbia, no Equador, no altiplano da Bolívia e do Peru e no noroeste argentino, e déficit pluviométrico no Uruguai, sul do Brasil, noroeste da Argentina e centro do Chile.
Segundo o chefe do Departamento de Meteorologia e Climatologia da governamental Diretoria Meteorológica do Chile, Jorge Carrasco, o atual episódio do La Niña começou entre maio e junho de 2007 e se espera que termine entre junho e agosto deste ano, para entrar em um período neutro. Para prever o comportamento dos eventos quentes e frios do ENOS, pode-se contar com registros históricos e modelos climáticos estatísticos e dinâmicos gerados em centros dos Estados Unidos, Europa e Ásia, que têm computadores de grande capacidade, disse Carrasco ao Terramérica. A informação gerada por estes últimos está disponível para todo mundo na Internet.
“Quase todos os países (da América do Sul) têm um conhecimento bastante cabal da pluviometria associada à presença de La Niña e El Niño em seus respectivos territórios, sobretudo no Peru, Equador e Colômbia”, assegurou Carrasco. Entretanto, “é preciso ter em conta que a interação da atmosfera com o oceano não é linear e isso faz com que um evento de El Niño ou La Niña nunca seja idêntico a outro”, disse ao Terramérica Rosa Compagnucci, professora do Departamento de Ciências da Atmosfera e dos Oceanos da Faculdade de Ciências Exatas e Naturais da Universidade de Buenos Aires. “Embora seja possível prever com relativa antecipação e bastante certeza a ocorrência de um evento – e em alguns casos até sua possível intensidade – fica mais fácil determinar o impacto local”, acrescentou.
O La Niña em curso teve também uma manifestação atípica no Chile. Os especialistas dizem que deveriam ter ocorrido chuvas na central região da Araucanía durante este verão, que não apareceram. Em todo o país, 144 localidades já se declararam em emergência por causa da seca. Na Bolívia, o La Niña também surpreendeu os meteorologistas, pois em lugar de causar impacto no altiplano – nos departamentos ocidentais de La Paz, Potosí e Oruro – abraçou todo o território, especialmente Pando, no norte, e Beni e Santa Cruz, no leste, que já haviam sofrido duras inundações há um ano por conta do El Niño.
“Esta é a primeira vez que fazemos um acompanhamento mais exaustivo do La Niña, pois sobre os anteriores temos informações bem mais gerais”, disse ao Terramérica Gualberto Carrasco, chefe da estatal Unidade de Climatologia do Serviço Nacional de Meteorologia e Hidrologia (Senamhi) da Bolívia. “No curto prazo é importante fortalecer o sistema de alerta”, admitiu o meteorologista do Senamhi, vinculado ao Ministério de Desenvolvimento Sustentável e Planejamento. “Uma das dificuldades atuais da Argentina é que o órgão oficial de previsões, o Serviço Meteorológico Nacional, sofreu redução de seus quadros científicos. Se mais meteorologistas forem formados haverá mais difusão destes eventos de alto impacto socioeconômico”, disse Compagnucci.
Jorge Carrasco garante que a informação gerada pela Diretoria Meteorológica do Chile é entregue periodicamente às autoridades competentes. Porém, reconhece que poderia haver um esforço maior para informar de forma simples a população sobre as previsões de seca e inundações, para que se prevenisse melhor. “Existe suficiente informação em termos de diagnóstico e previsão (dos episódios do ENOS). Os modelos não são 100% seguros, mas em geral têm bom acerto de três meses. Portanto, há dados disponíveis para a tomada de decisões tanto em nível governamental quanto pessoal”, ressaltou.
O professor de meteorologia da Universidade do Chile, Patrício Aceituno, acrescentou que “hoje se discute como preparar programas” para adaptar-se e mitigar a mudança climática causada pela humanidade. “Será preciso inserir estes programas em planos permanentes de mitigação e manejo de situações climáticas extremas, como secas e inundações”, disse ao Terramérica. “Sobre as mudanças que vão ocorrer nos próximos 50 anos (pelo aquecimento global) ainda há incerteza, mas posso apostar, com 100% de segurança, que nos próximos dez anos haverá uma inundação ou seca importante”, afirmou.
Os especialistas chilenos alertam que sobre o ENOS atua outro fenômeno, a Oscilação Decadal do Pacifico (PDO), que se manifesta durante décadas e que determinaria a freqüência de La Niña e El Niño. Estudos indicam que a fase positiva da PDO, que vem se manifestando desde meados da década de 70, está acabando. É provável que dê lugar à sua fase negativa, na qual os eventos de La Niña serão mais freqüentes do que os de El Niño. Outras linhas de pesquisa sugerem que a partir de 2008, “quando começa o novo ciclo de aproximadamente 11 anos de atividade solar, aumentará a probabilidade de ocorrência do El Niño, chegando a um máximo de probabilidade em 2012, ano em que, de acordo com prognósticos da Nasa (Agência Espacial Norte-Americana), espera-se o máximo de atividade solar”, assegurou Compagnucci.
(Por Daniela Estrada*, Terramérica, 11/03/2008)
* Com colaborações de Marcela Valente (Argentina) e Bernarda Claure (Bolívia).