Um relatório elaborado pelos dois líderes da diplomacia da União Européia afirma que a mudança climática poderá desencadear, na próxima década, uma série de conflitos globais e causar uma onda de migração.
Escrito pelo Alto Representante da União Européia, Javier Solana, e pela comissária de Relações Exteriores, Benita Ferrero-Waldner, o documento servirá de base para um debate sobre possíveis medidas para combater o aquecimento global, o principal assunto da cúpula de chefes de Estado europeus que será realizada nesta semana em Bruxelas.
Ao longo de sete páginas, Solana e Ferrero-Waldner afirmam que há uma tendência de aumento de tensões entre os países mais pobres, que sofrerão com maior intensidade as conseqüências do aquecimento global, e os mais ricos, acusados de serem os maiores causadores das mudanças climáticas.
O relatório também prevê conflitos entre a Rússia e o Ocidente em torno dos recursos minerais do Ártico, com conseqüências que poderiam colocar em risco "a estabilidade internacional e os interesses europeus".
"O rápido degelo das calotas polares, em particular no Ártico, está abrindo novas rotas marítimas e de comércio internacional", diz o documento. "O acesso mais fácil aos enormes recursos de hidrocarboneto do Ártico está mudando a dinâmica geoestratégica da região." Por isso, os líderes europeus propõem que a União Européia elabore uma política específica para o Ártico.
Migração
Segundo o relatório, na próxima década, a União Européia poderá enfrentar uma avalanche de "milhões de imigrantes ambientais, com a mudança climática como principal causa desse fenômeno". Os "refugiados do clima" chegarão à Europa fugindo da falta de água e de suas conseqüências na África Central e no Oriente Médio.
"É praticamente certo que as tensões em torno do acesso à água se intensificarão na região, levando a maior instabilidade política, com implicações negativas para a segurança energética da Europa", diz o relatório. Só em Israel, a disponibilidade de água potável deverá diminuir em 60% durante este século.
Iraque, Síria, Arábia Saudita e Turquia serão castigados pela redução das terras cultiváveis causada por secas intensas, o que poderia intensificar tensões já existentes e gerar uma série de conflitos internos, como o que assola atualmente a região de Darfur, no Sudão.
Até 2050, a África perderia três quartos de suas terras aráveis devido ao aumento do nível do mar e à salinização. O problema poderia afetar cerca de 5 milhões de pessoas que vivem no delta do rio Nilo e cuja economia depende da agricultura.
"A mudança climática é um multiplicador de riscos que exacerba tendências, tensões e instabilidades já existentes", afirma o relatório. Para a União Européia, o problema é que esses fatores "incluem riscos políticos e de segurança que afetam diretamente os interesses europeus".
Estratégia
Será a primeira vez que um documento desse tipo vai ser debatido pela União Européia em uma cúpula de chefes de Estado. Solana e Ferrero-Waldner querem que o bloco comece a levar em consideração a mudança climática ao elaborar as políticas européias de Relações Exteriores e Segurança.
Eles argumentam que alguns dos países mais afetados já estão pedindo que o fenômeno seja reconhecido internacionalmente como razão para justificar a imigração, como se faz atualmente em casos de asilo político ou de refugiados de guerra. De acordo com um rascunho das conclusões que deverão ser adotadas na cúpula desta semana, os chefes de Estado europeus se comprometerão a tomar as "ações apropriadas" até o fim deste ano.
(Por MÁRCIA BIZZOTTO, BBC Brasil, Folha Online, 10/03/2008)