Regiões polares são fundamentais para se entender o clima do planeta. Pesquisas realizadas na Antártica mostram como os impactos na região afetam o clima no sul do Brasil. Em palestra na manhã de quinta-feira (06/03), em Florianópolis, o professor do departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Francisco Eliseu Aquino, explicou que as massas de gelo funcionam como um laboratório natural para se monitorar o clima da Terra.
A evolução da história da atmosfera pode ser contada a partir da análise da neve que está há milhares de anos congelada e concentrada nos pólos. “Quando a neve se forma, ela aprisiona amostras da atmosfera do momento em que houve a precipitação, trazendo consigo partículas, pólen, poeira, etc”, explica. Os dados contidos em nesses flocos de neve ficam acumulados por milhares de anos nos pólos.
O que os pesquisadores fazem hoje é recolher pedaços profundos desse gelo para obter o máximo de informações possível sobre os nossos antepassados climáticos. A partir dessas amostras, é possível remontar cenários climáticos, descobrir como estava o ar em uma determinada época, se o ar estava mais limpo ou com vestígios de atividade vulcânica, por exemplo. Esses dados são fundamentais para a definição do clima futuro no planeta.
Hoje, 16% da superfície do planeta é coberta por gelo. O Ártico, no pólo Norte, é formado por oceano congelado; enquanto a Antártica, no Sul, conta com 14 milhões de quilômetros quadrados de gelo (sendo que no inverno, a região ganha mais de 20 milhões de quilômetros quadrados de água do mar congelada). A espessura média do gelo antártico é de 2,04 mil quilômetros, chegando a atingir 5 mil quilômetros.
Aquino conta que há gelo na Antártica há aproximadamente 30 milhões de anos (desde que houve a nova distribuição dos continentes) e que a região mantém cerca de um milhão de anos da nossa história climática preservada na forma de gelo. O derretimento desse conteúdo pode significar perda de informações valiosas.
Nos últimos 50 anos, a península registrou um aquecimento de até 3ºC. A Ilha George, onde fica localizada a base de pesquisa brasileira, apresentou um aumento de 2,1ºC na temperatura e perdeu cerca de 7% da sua massa de gelo no período entre 1947 e 2005.
Sem volta
Aquino estuda os efeitos do aquecimento global sobre o sul do Brasil a partir dos impactos na Antártica e se diz preocupado com o equilíbrio climático do planeta. “Já passamos do ponto de retorno”, afirma ao lembrar que a atmosfera e os oceanos possuem capacidade de armazenamento térmico e demoram para dar resposta ao aquecimento.
“Os oceanos têm função de equilíbrio climático, devolvendo calor para a Terra. Eles levam cinco vezes mais tempo para aquecer do que a areia ou as rochas, por exemplo. E levam muito mais tempo do que isso para resfriar novamente”.
Ele lembra, no entanto, que o planeta já passou por eras mais quentes do que a atual, assim como mais frias. Hoje vivemos no período mais quente dos últimos 150, 200 anos, diz.
Aquino lembra que muito se especula sobre as conseqüências para o planeta no caso de o pior cenário previsto pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) - um aumento de até 4ºC na temperatura média da Terra - se tornar realidade. “Eu tenho uma preocupação mais imediata: um aumento de 0,5ºC já causaria um impacto muito grande, com um custo estrondoso para a economia e exigiria uma adaptação muito forte da natureza”.
No entanto, o professor admite que a Terra não aquecerá para sempre. Ele explica que a tendência é que ocorra uma variabilidade do clima. “O planeta sempre busca um equilíbrio natural. O que está acontecendo agora no clima é resultado da nossa intervenção nesse sistema natural”. Aquino diz que estamos vivendo um período interglacial e que a tendência do clima deveria ser a de esfriar. “Mas parece que o sistema natural não está querendo funcionar”,observa. A culpa disso, como IPCC já definiu é da emissão em excesso de gases causadores do efeito estufa, proveniente das atividades antrópicas, principalmente a queima de combustíveis fósseis.
Ao apresentar gráficos sobre a variação na concentração de gases como vapor de água, dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4) na atmosfera ao longo dos anos, o professor mostra que o volume desses gases na atmosfera varia em ciclos de 100 mil anos, sendo que a cada 10 mil anos há um período interglacial. “A temperatura média da Terra tem conexão direta com a concentração de gases do efeito estufa na atmosfera. A mudança de concentração desses gases, força a mudança na temperatura, que, por sua vez, força a natureza a produzir mais ou menos gases”.
Aquino conta que a Terra sempre esteve envolvida por essa alteração cíclica da temperatura, mas ressalta que nunca se viu números tão altos como os que temos agora, desde a Revolução Industrial.
Efeitos no Sul
A ocorrência de fenômenos como tornados e até de um furacão (Catarina) tem se tornado mais freqüente na região Sul do Brasil. A partir dos estudos realizados na Antártica, Aquino explica como o derretimento da região gelada afeta o clima no país.
Os ciclones extra-tropicais, por exemplo, são um fenômeno normal, que têm função de transportar e fazer a troca entre o ar quente da região do Equador e o ar frio da Antártica, contribuindo para o equilíbrio climático. Quando há alteração no clima, entretanto, há mudança nos padrões de circulação, nas rotas e na intensidade desses fenômenos, afetando todo o equilíbrio.
Um resultado das pesquisas que Aquino participa apresenta uma amplificação nas temperaturas extremas registradas no estado do Rio Grande do Sul nos anos de 2004 e 2005. O ano de 2004, por exemplo, apresentou poucos desvios da temperatura média padrão, mas, ao se analisar cada mês isoladamente, verificou-se que metade do ano apresentou temperaturas muito frias e a outra metade, muito quentes; apresentando anomalias de cerca de 2ºC a 3ºC em um único mês.
Para lidar com o problema das mudanças climáticas, Aquino acredita que o desafio está na forma de consumo atual da sociedade. Ele defende a adoção de hábitos mais saudáveis e sustentáveis, que partem de iniciativas individuais, como o uso de sacolas retornáveis e do transporte público. A boa ação de cada um só tem a beneficiar o planeta como um todo.
(Por Por Sabrina Domingos, do Carbono Brasil/Envolverde, 07/03/2008)