A Via Campesina ocupou essa semana uma fazenda da Stora Enso no RS. Na ação de desocupação, que deixou várias mulheres feridas, a Brigada Militar proibiu totalmente o acesso de jornalistas ao local. Onde estão os editoriais da imprensa em defesa da liberdade de informação?Quem acompanha os artigos escritos em seu blog, pelo jornalista Luís Nassif, deve ter observado o quanto tem se acirrado a briga em defesa de uma comunicação no país mais plural, menos tendenciosa e manipuladora. Nassif está numa briga ferrenha, mostrando com argumentos e informações, o processo de “degradação” moral da revista Veja. Para muitos, essa briga parece distante e teria um caráter político-ideológico. Entretanto, desqualificar as críticas de Luis Nassif sob o viés proposto por seus detratores é amesquinhar o debate. Ao empreender uma luta contra os ‘moinhos de vento’ de Veja, tal qual Dom Quixote, Nassif põe na ordem do dia esse tema tão candente e tão negligenciado que se refere à democratização midiática.
Recentemente, os grandes jornais de circulação nacional, inclusive Zero Hora, publicaram editoriais condenando veementemente o que consideravam uma ameaça à “liberdade de imprensa”. Isso pelo fato de a Igreja Universal ter supostamente orientado dezenas de seus fiéis a ingressar na justiça contra o jornal Folha de São Paulo, devido à reportagens publicadas que ofenderam aos líderes do referido credo religioso.
Pode-se até admitir que tenha havido abuso da Universal, no caso de realmente ter ocorrido uma incitação aos fiéis para que processassem o jornal paulista. Porém, nem sempre a grande imprensa é tão vigorosa na defesa do direito à informação. Em relação aos editoriais contra a Universal, não teria sido reação ao estilo “espírito de corpo” da grande imprensa, haja vista que a instituição é proprietária da Record, que hoje começa a ameaçar, por exemplo, o domínio da Globo no setor de comunicação?
Mas, em acreditando que os editoriais em nome da liberdade de imprensa não sejam resultados de corporativismo, mas de um conjunto de boas intenções, espera-se para breve um editorial do grupo RBS (do Rio Grande do Sul) condenando o cerceamento à liberdade da imprensa no caso da desocupação da fazenda Tarumã, em Rosário do Sul, pela Brigada Militar. Segundo informações repassadas por repórteres que estiveram no local do conflito, antes de realizar a operação de desocupação, a Brigada retirou toda a imprensa.
Os profissionais de comunicação, que portavam câmeras de TV ou máquinas fotográficas foram colocados a uma distância de 14 km do local onde seria feita a retirada das camponesas ligadas à Via Campesina. Além de distantes, foram instalados numa localização geográfica de declive, em que de forma alguma conseguiriam enxergar o que se passava no local onde estava a polícia e as agricultoras.
Apenas para citar um exemplo, o setor jurídico da RBS na capital foi acionado para que negociasse com o comando da BM o acesso ao local onde haveria o “despejo”. Entretanto, ao longo de toda a tarde de terça-feira, o comando da polícia apenas “enrolou” os repórteres. Chegou em um ponto de pressão em que o responsável por liberar a presença da imprensa no local, não atendia mais ao telefone. Assim, a desocupação acabou sendo realizada no final da tarde de terça, sem qualquer testemunho por parte dos veículos de comunicação presentes ao local.
Sequer puderam registrar o resultado do confronto, no qual, pelo que consta, houve dezenas de mulheres feridas, conforme, inclusive, fotos apresentadas pela deputada Stela Farias (PT-RS), quarta-feira à noite, no programa Conversas Cruzadas, da TV Com (RBS). Espera-se que mais imagens surjam. Todavia, ainda no mesmo programa, a deputada mostrou outras imagens igualmente fortes. Em uma delas, uma foto em que um policial apontava um revólver para a cabeça de uma camponesa.
Não se quer criminalizar a ação da Brigada Militar. Evidente que estavam lá para cumprir ordens, em defesa de uma propriedade privada invadida que, quiçá, um dia, produzirá toneladas e toneladas de celulose e, que, por um mero acaso, pertence a uma multinacional finlandesa, a Stora Enso. Mas, até mesmo para que não se passasse a impressão de que foi uma ação covarde, cometida num final de tarde, sem testemunhas, era preciso que a imprensa e que órgãos independentes, como o próprio Ministério Público, estivessem no local acompanhando.
O que se quer questionar é: por que a BM impediu que a imprensa registrasse o momento da desocupação? Será que haveria alguma coisa que não podia ser registrada sob pena de a ação não ser vista com bons olhos pela sociedade? Esperemos vigorosos pronunciamentos da imprensa gaúcha, através de seus briosos comentaristas e opinionistas, em defesa da liberdade da imprensa, contra essa arbitrariedade cometida pela Brigada Militar do Rio Grande do Sul contra o livre direito à informação.
Fritz Nunes é jornalista, assessor da Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
(Por Fritz Nunes,
Carta Maior, 06/03/2008)