Cinqüenta e nove mulheres e dez crianças ficaram feridas durante a operação de reintegração de posse realizada pela Polícia Militar, ontem à tarde (04/03), na fazenda Tarumã, em Rosário do Sul (RS), invadida pelo movimento Via Campesina. Elas foram atendidas em hospitais da região. Uma mulher de 49 anos e uma criança de seis continuavam internadas.
Uma manifestante foi presa, acusada de agredir o comandante da PM na região, coronel Lauro Binsfeld, que sofreu um pequeno corte no braço. O oficial foi o único PM ferido.
O número de feridos representa mais de 10% das cerca de 500 manifestantes que invadiram a fazenda na madrugada de ontem. O grupo formado apenas por mulheres e crianças protestava contra a exploração da área pela empresa sueco-finlandesa Stora Enso.
As manifestantes, que organizaram a invasão também para marcar o Dia Internacional da Mulher, afirmam que foram agredidas até mesmo quando estavam rendidas. A PM nega.
"Esse percentual de 10% é muito preocupante. Eu acho que houve exagero [por parte da polícia] e isso precisa ser investigado", afirmou o ouvidor-geral da Secretaria da Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Adão José Correa Paiani, que esteve no local, segundo ele, com autorização da governadora Yeda Crusius (PSDB).
Segundo o Hospital Santa Casa do município vizinho de Santana do Livramento, 58 mulheres, entre elas sete grávidas, e dez crianças foram atendidas com lesões provocadas por balas de borracha, estilhaços de bomba, sabre (espada usada pela cavalaria da PM) e pisões de cavalos.
De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, 105 manifestantes foram levadas para a Santa Casa e o pronto-socorro municipal. Outra mulher grávida foi atendida em Rosário do Sul, totalizando 69 feridos.
O número de manifestantes lesionados só foi conhecido na madrugada de hoje (05/03). No final da operação de reintegração, o subcomandante da PM gaúcha, coronel Paulo Mendes, afirmou que apenas um policial havia sido ferido. A imprensa não teve acesso à operação de retirada.
Depois de rendidos, as mulheres e crianças foram colocados pela PM em ônibus e levados para uma delegacia em Santana do Livramento. A intenção era identificar e responsabilizar criminalmente os manifestantes. Mulheres e crianças ficaram quase quatro horas nos ônibus fechados. Na frente da delegacia, porém, houve confusão e a PM teve de levar os feridos às pressas para hospitais da região.
Lorena Catarina de Abreu, 49, que ainda se recupera de seqüelas de um AVC (acidente vascular cerebral) sofrido há seis anos, foi presa e algemada na ação. Hoje, ela permanecia internada na Santa Casa com lesões nos braços e pernas.
À Folha ela disse que foi arrastada e algemada pelas costas. "Senti muito dor. Achei que iria ter um derrame de novo", disse. A PM chegou a anunciar a sua prisão, mas desistiu por causa da sua condição de saúde. Hoje, a Justiça determinou a soltura de Irma Ostroski, 36, presa durante a ação.
O coronel Mendes e o coronel Binsfeld negam o abuso. "Usamos todas os instrumentos não-letais previstos. Seria muito pior se usássemos armas de verdade", disse Binsfeld.
O secretário da Segurança Pública, José Francisco Mallmann, afirmou desconhecer o número de feridos e possíveis abusos. Ele disse que o ouvidor da secretaria não apresentou as denúncias e que a PM relatou que apenas um policial foi ferido na ação. "Se houver indícios de irregularidade, vamos investigar, com certeza."
Depredação
Mais de 7.000 árvores foram derrubadas por manifestantes durante a invasão à fazenda em Rosário do Sul, segundo a Stora Enso. A companhia também diz que vidraças da casa onde vive o caseiro do local foram depredadas. A empresa informou ainda que encaminhou à Justiça um pedido de reintegração "não-violenta".
A Stora Enso afirma que obteve todas as licenças ambientais para atuar no Estado. Diz ainda que cumpriu uma série de 30 condicionantes impostas em um "processo rigoroso" pelo órgão ambiental do Rio Grande do Sul.
(Por GILMAR PENTEADO, da
Agência Folha, em Santana do Livramento. Colaborou FELIPE BÄCHTOLD,AF 05/03/2008)