Muitos produtores de Champagne rejeitam a idéia de que sua bebida sofisticada possa vir a ser produzida na Inglaterra. Mas nos últimos dois anos, pelo menos duas das casas francesas mais conhecidas têm estudado vinhedos do outro lado do Canal da Mancha, onde solos igualmente gredosos e temperaturas mais quentes estimularam o interesse na produção de vinhos britânicos.
Executivos da Duval-Leroy e Champagne Louis Roederer visitaram vinhedos em condados do sul da Inglaterra, como Kent e Sussex. Nem a Duval-Leroy e nem a Roederer comprou terra ou negociou com produtores ingleses. Mas Stephen Skelton, um consultor de vinho, disse que espera que uma grande casa de champanhe possa fazê-lo no futuro.
"As temperaturas mais quentes estão tornando a vida mais fácil para os produtores de vinho na Inglaterra, especialmente aqueles que cultivam as variedades para champanhe", disse Skelton, que serviu de guia para os executivos da Roederer na visita aos vinhedos ingleses em setembro.
Ao mesmo tempo, a região de Champagne, a leste de Paris, nunca esteve melhor. A demanda por champanhe está disparando em mercados emergentes como a Rússia. Casas de champanhe e vinícolas estão discutindo como aumentar a minúscula área de terra em que as uvas para champanhe podem ser cultivadas. E a região até o momento se beneficiou com as mudanças no clima.
As temperaturas médias mais altas em Champagne levaram um florescimento precoce e colheitas antecipadas, juntamente com uma melhor maturação das uvas e safras maiores. Mas a crescente ambição da indústria de vinho inglesa e a melhora da qualidade de seus vinhos espumantes são assuntos delicados.
Egon Ronay, um crítico de culinária no Reino Unido que dá os prêmios da Academia Britânica de Gastrônomos, expressou frustração com o fato dos vinhos espumantes ingleses feitos pela RidgeView não poderem ser chamados de champanhe. A RidgeView foi premiada no ano passado. "O fato de não poderem chamá-lo de champanhe é um absurdo e me irrito com esta regra idiota", disse Ronay para a Decanter.com, um serviço de notícias online do setor.
Os defensores dos vinhos espumantes ingleses dizem que eles se saem regularmente muito bem frente aos principais champanhes em degustações vendadas. Mike Roberts, o fundador e diretor da RidgeView, disse que os vinhos espumantes de sua vinícola foram servidos na Embaixada Britânica em Paris e no 80º aniversário da rainha Elizabeth 2ª em 2006.
Na França, "champagne" é o que é conhecido como uma "Appellation d'origine contrôlée" (denominação de origem controlada), uma categoria protegida pelo governo francês para distinguir produtos de áreas geográficas específicas. Segundo estas regras, apenas cerca de 32 mil hectares de vinícolas em Champagne podem fornecer as variedades de uva que podem ser usadas no vinho chamado champanhe: pinot noir, chardonnay e pinot meunier.
Alguns produtores cada vez mais usam sua perícia para produzir vinhos espumantes em países como África do Sul e Nova Zelândia. Mas Stephen Charters, que pesquisa o setor de champanhe na Escola de Administração de Reims, disse que os produtores de champanhe são cautelosos em relação à compra de terras na Inglaterra, apesar dos preços das terras ali serem bem mais baratos do que em Champagne.
O problema, disse Charters, é o fato dos produtores permanecerem desconfiados em venderem vinho de um país como o Reino Unido, onde o setor é comparativamente novo. "Nosso interesse foi ver o que estava acontecendo em um lugar não muito distante de Champagne", disse Michel Brismontier, que é o encarregado de exportações e vendas da Duval-Leroy. Ele não descartou investimentos na Inglaterra, mas disse que a empresa tem outras prioridades.
Yves Dumont, o presidente do conselho administrativo da casa de champanhe Laurent-Perrier, está entre os executivos que dizem não estar considerando investir em vinhos espumantes fora da região de Champagne.
As condições atuais na Inglaterra "poderiam permitir a criação de alguns vinhos espumantes muito interessantes, mas sem o mesmo sabor do champanhe", disse Dumont. O clima ameno de Champagne e o clima tempestuoso da Inglaterra produzem produtos muito diferentes, ele disse. Ao mesmo tempo, Dumont reconheceu as evidências de que uma mudança climática cria "pontos preocupantes" para a indústria francesa.
Geadas mais freqüentes se tornaram uma maior ameaça às plantações, ele disse. E apesar de seca não ser um problema em Champagne devido ao solo gredoso reter bastante umidade, ondas de calor podem assar as uvas no vinhedo, minando a qualidade das colheitas, como aconteceu há cinco anos.
"Nós estamos vendo um agravamento dos contrastes entre períodos que são muito quentes e períodos que são muito frios", disse Dumont. Mas outra preocupação é o fato do nível de acidez -uma característica importante das uvas de Champagne- ter caído nos últimos seis anos por causa da elevação constante da média das temperaturas.
Dumont disse que técnicas de cultivo e mistura cada vez mais sofisticadas tornam tais problemas administráveis. Ele também disse que mudanças no clima que poderiam ser catastróficas para os produtores de Champagne ainda poderiam demorar cinco décadas. Mas alguns especialistas dizem que as mudanças podem ocorrer mais cedo do que os produtores esperam.
"Algumas regiões na Europa possuem ótimos vintages, graças à mudança climática", disse Pancho Campo, um especialista em produção de vinho na Espanha, que organizou uma conferência sobre as implicações da mudança climática para a indústria de vinho em Barcelona, em fevereiro. "Mas eles entendem que se as mudanças continuarem aumentando, em um cenário de negócios como de costume eles teriam apenas 15 a 20 anos para se adaptarem."
Inevitavelmente, a produção de vinhos espumantes de novas regiões como a Inglaterra criará mais concorrência para as casas estabelecidas de Champagne em alguns mercados, disse Charters, da Escola de Administração de Reims. Mesmo assim, ele se mostrou otimista. "Na verdade, a maioria das pessoas ainda dirá de vez em quando, 'vamos tomar champanhe', mesmo que estejam tomando vinhos espumantes." "Não posso provar, mas tenho a sensação de que o champanhe e os vinhos espumantes coexistirão pacificamente", ele disse.
(Por James Kanter, International Herald Tribune, tradução de George El Khouri Andolfato, UOL, 05/03/2008)