Equipe do Diário Gaúcho compra atestado frio que autoriza motorista a dirigir caminhão de transporte de cargas perigosas e, mesmo sem freqüentar curso preparatório, obtém a homologação
A falta de controle do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) no registro de habilitações permite que motoristas transportem cargas perigosas pelas estradas gaúchas sem a qualificação exigida por lei.
Uma equipe do Diário Gaúcho comprovou a falha ao comprar um certificado ilegal do curso que permite ao condutor ganhar a autorização para fazer esse tipo de transporte.
Vendida em um posto de combustíveis na zona norte da Capital por R$ 350, a falsificação - oferecida livremente a caminhoneiros que circulam no local - foi registrada, por intermédio de um Centro de Formação de Condutores (CFC), no Detran. Mesmo sem ter sequer pisado em uma aula do curso para condutores de transporte de produtos perigosos, o repórter teve homologada em sua habilitação a permissão para transportar cargas como materiais explosivos e radioativos.
No último dia 20, a equipe comprou, por R$ 350, um diploma e uma carteira que habilitam o condutor da categoria C (uma das categorias autorizadas) para o transporte de cargas perigosas, um universo que abrange cerca de 3 mil produtos, de gases tóxicos e líquidos inflamáveis até explosivos e material radioativo. O curso custa R$ 150 para autônomos ou R$ 74 para o motorista de empresa associada ao Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat), um dos órgãos autorizados.
- Muitos caminhoneiros da região da Serra nos procuram aqui - confessou um chapa (homem que ajuda o caminhoneiro a descarregar a carga).
Para obter a autorização de forma legal, o condutor precisaria freqüentar um curso de 50 horas de legislação de trânsito, direção defensiva, primeiros socorros, prevenção de incêndio e movimentação de produtos perigosos.
O diploma emitido pelo Senai A.J. Renner, de Canoas, foi vendido por um homem identificado como Sete, numa sala de agenciamento de cargas na área do Posto Garoupa Além do carimbo, os certificados traziam a suposta assinatura de um diretor da entidade. Consultados depois, funcionários do Senai afirmaram que o curso não é ministrado no local há cerca de dois anos.
Obtido o certificado, o pedido de alteração da CNH foi feito no CFC Modelo, no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre. Depois preencher os dados, apresentar o diploma falso, acompanhado de uma cópia, e pagar uma taxa de R$ 32,86 no banco, as informações foram enviadas pelo CFC ao Detran. Outros dois centros informaram que não haveria problemas para encaminhar o documento.
O Detran aceitou as informações e, na sexta-feira passada, liberou a carteira de habilitação de um dos repórteres, já alterada com a permissão de transportar cargas perigosas. O novo documento, com assinatura da diretora do Detran, Estella Maris Simon, traz duas observações: "exerce atividade remunerada" e "habilitado para produtos perigosos". O Diário Gaúcho comunicou a investigação e a produção da reportagem ao Ministério Público estadual.
(Zero Hora, 04/03/2008)