A hidroponia pode ser uma alternativa eficaz ao cultivo de hortaliças no solo quando a água utilizada para a irrigação for salobra – como geralmente são as das reservas disponíveis no subsolo do semi-árido nordestino. Foi o que mostrou a pesquisa conduzida pelo engenheiro agrônomo Tales Miler Soares na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba.
No semi-árido brasileiro, há uma grave e antiga crise de escassez hídrica, que poderia ser contornada com a exploração das reservas subterrâneas. Entretanto, por causas geológicas, a maior parte das águas subterrâneas dessa região é salobra, o que limita sua utilização na agricultura. Grande parte dos agricultores das zonas secas do nordeste do País acaba recorrendo às águas salobras subterrâneas para irrigar as plantações, o que representa um duplo problema.
Primeiro porque os vegetais resultantes deste cultivo não têm a mesma qualidade e rendimento comercial dos vegetais irrigados com água não-salobra: apresentam baixa produção, nanismo e problemas como clorose (amarelamento por baixa produção de clorofila) e necrose (apodrecimento) de folhas e frutos; e, segundo, porque este processo saliniza gradualmente o solo, podendo levar inclusive à desertificação do terreno.
“O impacto ambiental é agravado pela conduta dos agricultores, que raramente seguem a recomendação de se lixiviar o solo, isto é, usar uma quantidade maior de água na irrigação para diminuir o acúmulo de sais, favorecido pelas altas taxas de evaporação nessa região. Nem mesmo nos perímetros de irrigação implantados pelo governo verifica-se o procedimento correto”, conta o pesquisador. A salinização pelo manejo incorreto da irrigação é um processo comumente observado no semi-árido, mesmo quando se empregam águas doces, o que torna pouco recomendado o aproveitamento de águas salobras. Por essa razão, inúmeros poços já perfurados estão atualmente sub-utilizados ou abandonados.
No cultivo hidropônico uma lâmina de solução nutritiva, constituída de água mais nutrientes, é colocada em contato com as raízes do vegetal. Esta solução proverá quase tudo que é necessário para que ele se desenvolva. Costuma-se usar a técnica para cultivo intensivo de hortaliças, pois apesar de ser possível, o cultivo extensivo de outros vegetais não é comercialmente viável.
O que a pesquisa pretendeu verificar foi a possibilidade de se utilizar a água salobra no preparo desta solução, tornando possível aproveitar as reservas subterrâneas das áreas semi-áridas mas sem estragar o solo e, ao mesmo tempo, produzir um vegetal de qualidade superior.
“Em nosso experimento utilizamos água acrescida de um único sal, o cloreto de sódio, que é o mais encontrado nas águas subterrâneas daquela região, além de ser um dos mais prejudiciais ao vegetal, por conter dois íons extremamente fitotóxicos, que são o sódio e o cloreto”, descreve Soares.
Plantas de alface ‘Verônica’ foram cultivadas em sistema hidropônico e em solo. Para que o cultivo hidropônico não fosse favorecido, influenciando assim o resultado do experimento, foi tomado o cuidado de se adubar o solo com a mesma solução nutritiva hidropônica, e também foi utilizada uma cobertura protetora da plantação contra a evaporação (mulch plástico).
Alface de qualidade superior
As alfaces produzidas no sistema hidropônico apresentaram maior tolerância à salinidade (considerando o resultado do parâmetro comercial, que é o peso da parte fresca da hortaliça, descontando-se a raiz) em relação às produzidas no solo e irrigadas com as mesmas águas salobras da solução nutritiva.
“Atribuímos o resultado ao menor estresse hídrico sofrido pelo vegetal no cultivo hidropônico. Enquanto na hidroponia, para absorver água a planta precisa superar apenas o potencial osmótico (provocado pelos sais contidos na água), no solo a planta precisa superar também o potencial mátrico (gerado pela matriz). Chamamos de matriz do solo as partículas sólidas como areia, silte, argila e matéria orgânica, que retêm parte da água, não permitindo que a planta absorva completamente a umidade do solo”, explica o pesquisador.
Assim, ficou provado que não só é possível utilizar água salobra para cultivar alface em hidroponia, como também este é um sistema mais vantajoso para o agricultor e menos agressivo ao meio ambiente. Além destes benefícios, no sistema hidropônico não há o custo adicional da drenagem do solo, como esclarece Soares: “A drenagem é um procedimento caro evitado pelos produtores, mas que seria necessário no cultivo convencional para preservar o solo da salinização. A própria hidroponia já funciona como um sistema de irrigação e também de drenagem, permitindo o destino apropriado dos sais”, finaliza.
Mais informações: Tales Miler Soares, e-mail talesmiler@bol.com.br.
(Por Luiza Caires, Agência USP de Notícias, 04/03/2008)