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2008-03-03
A poluição ambiental na orla marítima da Capital prejudica a qualidade de vida, dizem os especialistas

Todos os dias, basta o sol começar a se esconder que a artesã Ivoneida Rios, 46 anos, inicia a montagem de sua barraca na feirinha do calçadão da Beira-Mar. Clientes? Ivoneida tem. Problemas? Também. Afinal, como reclama, o chamado “língua negra”, canal que despeja esgoto no mar próximo à sua barraca, acaba por afastar, muitas vezes, os turistas. “É um mau cheiro grande, gera doenças. Aqui é uma fonte de renda, visada mundialmente. Isso dá uma má impressão”, diz a artesã.

Uma má impressão alimentada também em outros 12 pontos de poluição, no trecho entre a Praia de Iracema e o Mucuripe. Tanto que, há sete meses, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Controle Urbano (Semam) e a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) vêm realizando uma ação emergencial para “Despoluição da Orla Marítima”, a fim de diminuir os percentuais de poluição na área.

Na opinião da bióloga Regine Vieira, pesquisadora do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), a situação vivenciada pela artesã Ivoneida é decorrente tanto da má educação da população, como da falta de fiscalização efetiva do poder público. Para a bióloga, “o homem não cuida porque não é educado para cuidar. Como não há fiscalização, e muito menos punição, o meio ambiente é que é prejudicado”.

Conforme informou Regine Vieira, dentre as substâncias poluidoras da orla marítima, as mais encontradas são as fezes. No caso, como disse, elas são oriundas em sua maioria “do homem, que come e, sendo ser vivo, tem que excretar o que não for aproveitado e, sendo mal educado, joga detritos em locais não apropriados”.

Como um dos pontos críticos identificados pelo Labomar, a pesquisadora indica que a poluição é muito alta nos locais onde há a deságua de galeria pluvial. Dentre eles, há o localizado em frente à estátua de Iracema, do Riacho Maceió.

Como comentou a bióloga, o material coletado “chega a apresentar um NMP de 11.000 Coliformes Termotolerantes por 100mL de água, quando o Conama, na resolução 274/2000, preconiza que mais de 1000 CT /100mL torna a praia imprópria para uso”.

Na tentativa de amenizar esses impactos, a ação da Semam e da Cagece vem realizando vistorias em imóveis. A intenção, como explica Ana Tereza Araújo, coordenadora do Programa de Despoluição da Cagece, é identificar quais os pontos que não se encontram interligados na rede de esgoto pública e, por conseguinte, contribuem para a manutenção dos 13 pontos críticos de poluição.

Segundo informou a mestre em Saneamento Ambiental Ester Esmeraldo, chefe da equipe de Controle Ambiental da Semam, até este mês a ação já verificou 1.947 imóveis, sendo 100 passíveis de autuação e três já autuados. Como justifica, ainda não foram todos autuados, pois é necessário verificar se o esgoto está interligado nas galerias.

“Queremos incentivar a utilização da rede. A Praia de Iracema é área nobre, mas com camelôs, que usam a praia como banheiro. Outro problema é que o esgoto é construído após os edifícios, causando mais gastos que os imóveis não querem ter”. Para Ester Esmeraldo, “ainda falta a conscientização dos governantes para a questão do saneamento básico”.

QUALIDADE DE VIDA
Os cuidados com a população

Quando os cuidados com o meio ambiente não são tomados, a qualidade de vida dos moradores próximos às áreas poluídas acaba por ser comprometida. Conforme a bióloga Regine Vieira, o contato com água poluída, por exemplo, pode gerar nos indivíduos “dor de barriga, viroses tais como hepatite A, manchas no corpo, irritações dos olhos”.

Para evitar a população seja prejudicada, avisa a mestre em Saneamento Ambiental Ester Esmeraldo, é necessário, além de recursos públicos, uma conscientização junto às comunidades. Como descreveu, muitas vezes por falta de informação, os moradores querem tirar o esgoto que corre em frente às suas casas, mas fazem isso sem se preocupar com qual destino ele tomará. “A grande maioria não entende o que é uma rede de drenagem. Pensa que é esgoto. Ainda há uma grande confusão”, identifica.

Nesse sentido, ainda comenta Ester Esmeraldo, para remediar o problema “a comunidade tem de estar engajada”. Dessa forma, o programa realizado em parceria com a Cagece age para conscientizar e despoluir toda a área, não só as proximidades. Para o prestador de serviços gerais Antônio de Oliveira Lima, 41 anos, o fato das casas Rua São Longuinho, onde mora na Praia de Iracema, estar toda interligada na rede de esgoto sanitário contribui para que os moradores não adoeçam.

“Se não fosse assim, muita criança estaria doente. O esgoto a céu aberto poderia prejudicar muito”, conta. Para a professora Ana Cristina Targino do Carmo, 34 anos, normalmente os jovens costumam brincar entre as casas. Na sua opinião, além de assegurar a saúde dos moradores, o fato da rede de esgoto estar todo adequada impede que o mar seja poluído. “Sempre me preocupei”.

Como a lei trata a poluição das águas

O Código de Obras e Posturas do Município de Fortaleza, lei Nº 5.530 de 17 de dezembro de 1981, é o documento legal que rege a adequação do escoamento e esgotamento sanitário no espaço público da Capital. O código define como poluição do meio ambiente ´a presença, o lançamento ou a liberação no ar, nas águas e no solo, de toda e qualquer forma de matéria ou energia com intensidade, em quantidade de concentração ou com características capazes de tornarem ou virem a tornar as águas, o ar e o solo´

Em relação às águas, o artigo 199, determina que: ´Não será permitido o despejo de águas pluviais na rede de esgoto, nem o despejo de esgotos de águas residenciais e de lavagens, nas sarjetas ou logradouros ou em galerias de águas pluviais, salvo os efluentes devidamente tratados´. O artigo 647, inciso segundo, estabelece que ´será obrigatória a construção de cisternas para armazenar água de chuva, nos conjuntos residenciais implantados em zonas não atingidas pelo sistema geral de abastecimento de água´.

Por fim, o artigo 649 esclarece ser ´proibido o lançamento de esgotos de qualquer edificação nas galerias de águas pluviais´. O primeiro inciso prevê ´a autorização para lançamento de esgotos nas galerias de águas pluviais poderá ser dada desde que os esgotos sofram tratamento prévio, a juízo da Prefeitura em consonância com o órgão estadual competente´.

A OPINIÃO DO ESPECIALISTA
Sanear e economizar

Raimundo Bemvindo Gomes
Mestre em Eng. Sanitária e Ambiental, Prof. e Coord. do Laboratório Integrado de Águas de Mananciais e Residuárias do Cefet-CE

Investir em saneamento é economizar dinheiro público. Mas, não obstante o crescimento na oferta dos serviços de saneamento, não se tem investido suficiente em obras que os garantam na quantidade e qualidade demandada, sobretudo quando se considera o aspecto da distribuição. É notório que a falta de saneamento, além de prejudicar a saúde da população, eleva os gastos. É indiscutível a relação entre a falta de saneamento e a ocorrência de diarréia e parasitoses intestinais entre os adultos e crianças. Os problemas relacionados às deficiências no saneamento no meio urbano se refletem na degradação dos recursos hídricos, resultando no aumento de pulsos poluidores que alcançam esses ecossistemas, intensificando a situação de degradação.

Fortaleza, a quinta capital do país em população, cresceu nos últimos seis anos o correspondente ao crescimento do país nos últimos vinte. Este crescimento desordenado comprometeu o sítio urbano, a permeabilidade dos solos e, sobretudo, os recursos hídricos. Como resultado, numerosas lagoas, córregos e riachos têm sido aterrados, atendendo à ganância da especulação imobiliária. Outros, recebem fortes descargas de águas residuárias domésticas e industriais, além de terem sua recarga dificultada pela crescente impermeabilização do solo, devido ao calçamento e asfaltamento de ruas.

Felizmente, as atenções têm se voltado para este problema e as Instituições de Pesquisa têm procurado alternativas, através de parcerias, oferecendo aos gestores públicos subsídios para resolução de problemas ambientais crônicos. Um exemplo é a parceria firmada entre a Prefeitura Municipal e o Cefet-CE que, com o Projeto Lagoas de Fortaleza, vem construindo uma base de dados sobre as condições ambientais das principais lagoas, envolvendo estudos de uso e ocupação do solo, qualidade de água, inventários de fontes poluidoras que servem de base para ações de proteção e recuperação. Entendemos, porém, que as melhorias não podem ser desvinculadas de programas de educação ambiental que envolvam a comunidade como parceiro para consolidar ações protecionistas e recuperadoras.

(Diário do Nordeste, 02/03/2008)



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