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2008-03-03
O Quilombo de Curiaú, que fica a apenas seis quilômetros da capital do Amapá, Macapá, sofre com os invasores.  Embora a lei proíba que pessoas que não fazem parte da comunidade se fixem no local, os próprios moradores têm de se mobilizar para impedir que a área ambiental seja tomada.

A educadora sócio-ambiental da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Maria de Lourdes Ramos, confirma que a legislação não é suficiente para evitar o problema da invasão.  De acordo com ela, na maioria dos casos, são os próprios quilombolas que resolvem o assunto.

“Quando há alguma invasão, principalmente na área do quilombo, os moradores se reúnem para inibir e colocar para fora os invasores.”

A própria educadora reconhece que ainda há muito o que melhorar em Curiaú.  “A secretaria tem de estar mais presente na área.  E temos de dar outras alternativas de desenvolvimento econômico para a comunidade.  É uma área de grande potencial turístico e eu acho que tem de ser por aí, mas de uma forma sustentável”, afirmou Maria de Lourdes.

Há 64 anos em Curiaú, Raimunda Leite da Paixão afirma que a comunidade só aciona a polícia em último caso.  “A gente se junta para tirar eles daqui.  Ou saem, ou saem”.  Sorrindo ao lado da esposa, Joaquim Araújo da Paixão explica como a comunidade lida com os invasores.  “Se eles entenderem, não tem problema nenhum.  Agora, se quiserem insistir, aí vai ser de outra maneira.  Mas vão sair.”

Joaquim afirma que, apesar da vigilância dos quilombolas, ainda há pessoas que não pertencem à comunidade vivendo no local.  Muitos se mudaram para a área depois que o governo estadual reconheceu a região como um antigo local de refúgio de escravos negros.

De acordo com Joaquim, quem se casa com um quilombola pode viver na área, mas não tem direito a vender o terreno onde mora para pessoas de fora da comunidade.  “Os mesmos direitos que eu tenho, a pessoa vai ter.  Agora, não pode pular fora da trilha, fazer coisas erradas e trazer mais gente de fora para viver aqui”, garantiu.

Além das pessoas que chegam com a intenção de viver na área de proteção ambiental de 21.676 hectares (o quilombo ocupa apenas 3.321 hectares do total da APA), os quilombolas também enfrentam o desmatamento e a caça predatória.  Segundo Maria de Lourdes, a secretaria estadual de Meio Ambiente tem procurado aumentar a vigilância, recorrendo inclusive à ajuda da comunidade.

“Recentemente, capacitamos moradores para atuar como agentes ambientais comunitários.  Eles agem como fiscais voluntários, com poder para autuar”, diz Maria de Lourdes, explicando que de 22 agentes capacitados, apenas cinco continuam trabalhando.

“Os moradores são vigilantes e conhecem melhor o local, ajudando a coibir [as ilegalidades].  Quando há um problema maior eles acionam a secretaria ou o batalhão ambiental da Polícia Militar.”

De acordo com Maria de Lourdes, a gestão da APA compete à secretaria estadual de Meio Ambiente, que atua conjuntamente com outros órgãos, como as secretarias de Turismo, de Mobilização Social e o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).  Há ainda um conselho gestor, responsável por referendar as decisões, e que conta com representantes de todas as comunidades que vivem na APA e de órgãos de governo.

A educadora também comentou que os quilombolas costumam reclamar do fluxo de turistas no local.  “Na reunião do conselho gestor, eles sempre questionam que há muita gente e que a poluição sonora é grande, principalmente no verão.  Nós não controlamos muito o acesso porque uma APA é mais flexível [que outras unidades de conservação, principalmente as de proteção integral], sem muitas restrições.  A legislação não nos permite restringir o acesso das pessoas”, disse.

Quilombolas reivindicam infra-estrutura e reclamam de falta de oportunidade

Na Área de Proteção Ambiental (APA) de Curiaú, no Amapá, onde vive uma comunidade de 4 mil quilombolas, um deque construído em 2002 pelo governo estadual para ser o cartão postal da região e estimular o turismo está interditado há cerca de dois anos.  Sem manutenção desde que foi construído, o deque oferecia risco às pessoas que freqüentavam o lugar, onde uma arquibancada permitia o mergulho no Rio Curiaú.

Apesar do abandono, fotos do deque bem conservado continuam ilustrando a publicidade do governo estadual sobre a área.  Até a interdição do deque, funcionavam no local um restaurante, um salão de beleza afro e uma sala de artesanato que gerava renda para os próprios moradores da região.

Para a auxiliar Helena das Chagas Leite, o abandono do deque simboliza o abandono do próprio Curiaú.  Segundo ela, embora o local impressione os visitantes de primeira viagem, a área já foi mais bem cuidada.

“O Curiaú está abandonado.  As pessoas falam maravilhas do lugar, mas quando chegam aqui, vêem que não é bem o que os outros falam.  Há beleza natural, mas o governo não faz o que deveria estar fazendo”.

Helena diz ter ficado triste ao saber que Curiaú não será contemplado com parte dos R$ 24 milhões que o Ministério do Turismo vai liberar, por meio de um convênio, para investimentos em obras de infra-estrutura e turismo no estado.

“O governo vai distribuir dinheiro para vários pontos turísticos e o Curiaú, tão perto de Macapá, não foi incluído”.  As cidades contempladas são Macapá, Mazagão, Laranjal de Jari e Calçoene.

Já a recepcionista do Centro de Cultura local, Antonia do Rosário Ramos, reclama da falta de oportunidades econômicas que permitam aos jovens da comunidade permanecer no local.  “Não há incentivo ou opções de trabalho para os jovens.  A maioria fica ou porque gosta muito daqui, ou porque, devido à baixa escolaridade, não encontra opções fora”.

Antonia, que cursa Turismo, explica que só consegue freqüentar a universidade porque, com ajuda da comunidade, obteve uma bolsa de estudos em uma faculdade particular.  Pelas suas contas, há, atualmente, apenas outros quatro universitários entre os quilombolas.  Dois, garante Antonia, estudam em universidades públicas.

Quilombolas conciliam preservação cultural e ambiental no Amapá

A apenas doze quilômetros do centro da capital amapaense, Macapá, uma comunidade quilombola preserva seus costumes e crenças enquanto luta para conservar a Área de Proteção Ambiental (APA) em que vive.  Importante sítio histórico e ambiental, a APA de Curiaú é uma das principais atrações turísticas da região, atraindo moradores do estado e turistas.

De Macapá, o acesso até a área de 21.676 hectares onde vivem os cerca de 4 mil moradores da primeira comunidade quilombola reconhecida no estado é feito pela Rodovia do Curiaú.  Logo após a entrada da APA e as primeiras casas de alvenaria, o visitante chega à igreja onde, anualmente, a comunidade celebra uma das mais importantes festas religiosas do Amapá.

“Em agosto nós festejamos a Folia de São Joaquim.  São nove noites de novena com folia.  Vem muita gente de fora”, diz Joaquim Araújo da Paixão, guardião da chave da igreja.

Além das belezas naturais do local, o quilombola destaca a importância das manifestações culturais preservadas pela comunidade.  “Temos nosso batuque, a ladainha e o marabaixo”, destaca o quilombola.  O marabaixo é uma dança típica que se tornou tão conhecida no estado que virou nome de bairro e de sorvete em Macapá.

“A cultura do marabaixo, do batuque, é uma das manifestações da comunidade que têm atraído um público muito grande ao Curiaú”, garante o secretário estadual extraordinário de Políticas para os Afrodescendentes, Josivaldo da Silva Libório.

Na comunidade, a Escola Estadual José Bonifácio, busca valorizar a cultura afrodescendente, afirma a supervisora Sheila Cristina Cunha Maués.

“Temos projetos que valorizam o batuque, outro de resgate aos costumes locais.  Os alunos sabem dançar carimbó, batucar, cantar as cantigas dos santos.  Em outras escolas não há isso”.

Bem estruturada, a unidade de ensino conta com laboratório de informática, biblioteca e uma quadra de esportes coberta e atende a crianças de localidades próximas a Curiaú.

Com disponibilidade de professores, a direção da escola decidiu incluir aulas de francês na grade escolar de 1ª à 4ª série.  “O francês é por causa da nossa fronteira com a Guiana Francesa.  Isso vai ajudar muito às crianças no mercado de trabalho”, comenta a professora Claudeci Ferreira da Silva Rodrigues.

A exemplo da escola, o posto de saúde do Curiaú também atende a pacientes de outras comunidades.  Além de oferecer exames preventivos, pré-natal e planejamento familiar, a médica responsável faz cerca de 20 visitas residenciais a cada semana.  De segunda a quarta-feira, o atendimento é no próprio posto que registra cerca de 15 consultas diárias.

“O pessoal daqui é bastante responsável em termos de saúde, mas há um problema muito grande com o álcool.  Temos vários casos de alcoolismo”, comenta a enfermeira Rejane Santos da Cunha.

O quilombola Joaquim Araújo confirma os casos de alcoolismo.  E diz que o número de casos aumentou depois que os moradores começaram a abrir bares para atender aos turistas.

(Por Alex Rodrigues Enviado especial, Agência Brasil, FGV, 03/03/2008)

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