Compradores podem estar arriscando sua saúde oferecendo alimentos contaminados ao mercado
Não são apenas os defensivos agrícolas trazidos ilegalmente no Estado, como mostrado na série de reportagens "Contrabando de Agrotóxicos", publicada em Zero Hora em fevereiro, que colocam em perigo a agricultura e a saúde dos gaúchos. Outra face do problema é revelada na forma da venda de produtos legalizados, mas negociados sem qualquer controle por lojas especializadas.
Entregues aos agricultores sem receituário ou orientações adequadas, essas substâncias podem ser aplicadas de forma incorreta, trazendo riscos ao ambiente, à saúde de quem os manuseia e ao consumidor que irá ingerir alimentos expostos a esses produtos de maneira inapropriada.
Produtos agrícolas classificados como tóxicos ao homem e a animais e perigosos ao ambiente são vendidos sem controle em agropecuárias de Caxias do Sul. A lei exige que os insumos sejam entregues apenas mediante receita de um engenheiro agrônomo ou técnico agrícola habilitado, mas os estabelecimentos negociam os venenos sem o documento.
Uma equipe do jornal Pioneiro esteve em três agropecuárias para comprovar as irregularidades. Em todas, não houve exigência do receituário agronômico durante a venda dos produtos controlados. Em uma das lojas, sem dar explicações, a reportagem comprou três pastilhas de fosfeto de alumínio, um produto que emite um gás capaz de matar uma pessoa. Perguntado sobre o receituário para a compra, o atendente informou que não era preciso. Ainda assim, na nota fiscal fornecida consta claramente: "Nr. Receituário: 8172". Para receber a nota, o repórter precisou ser cadastrado na loja. Indicou nome e endereço fictícios, que não foram conferidos.
- Algumas agropecuárias têm agrônomos como funcionários. Acredito que, se há fraudes, eles juntam várias compras e o profissional emite uma receita só. Isso é uso inadequado do receituário - explica o presidente da Associação dos Engenheiros Agrônomos da Encosta Superior do Nordeste (Aeane), Lirio Londero.
Em outra loja, o vendedor nem solicitou cadastro ao repórter, que comprou, por R$ 3, um pacote de 500 gramas de um formicida com a substância fipronil, considerada tóxica ao homem e muito perigosa para o ambiente. O atendente orientou a caixa da loja a não registrar a compra.
Na terceira agropecuária visitada, foi comprado, por R$ 14, um quilo de um fungicida fabricado à base da substância mancozebe. O produto, em algumas formulações, é considerado muito tóxico para o homem e perigoso para o ambiente. Como nas outras lojas, a receita não foi solicitada.
Londero explica o perigo da venda de agrotóxicos sem receita:
- Além de doses específicas, os defensivos agrícolas têm prazos de carência, o que significa que os alimentos não podem ser consumidos em um certo prazo após a aplicação. Sem orientação, agricultores podem colocar no mercado comida contaminada.
Fiscalização sofre limitações
Por regra, as revendas de agrotóxicos no Estado são fiscalizadas apenas uma vez a cada ano. A Secretaria da Agricultura do Estado, responsável pelo controle do comércio desses produtos, mantém três fiscais em Caxias do Sul para atender a 40 municípios. Ainda assim, segundo um dos servidores, que pediu para não ser identificado, as ações são raras e pouco eficientes:
- Não podemos chegar disfarçados, temos de nos identificar. Só em Caxias, são cerca de 300 casas que vendem agrotóxicos. Quando chegamos na primeira, todas se avisam. Para fugir da fiscalização, uma agropecuária deu férias coletivas e o dono sumiu.
O chefe da Divisão de Controle de Insumos da secretaria, Luiz Felipe Xavier, comanda em Porto Alegre os fiscais de Caxias. Ele diz que a meta é realizar, pelo menos uma vez ao ano, uma ação em cada cidade.
- As agropecuárias têm agrônomos que se responsabilizam pela venda, mesmo sem conhecer a propriedade rural ou o comprador. Se o uso do produto causar algum problema, o profissional pode ser responsabilizado - explica Xavier.
No caso de haver irregularidade, os fiscais interditam o estoque até que a casa apresente os receituários agronômicos e pague uma multa de cerca de R$ 800. Se o estabelecimento for autuado pelo Conselho de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea), a multa leva em conta cada receita que estiver faltando.
(Zero Hora, 03/03/2008)