Na época das investigações, o então diretor do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), João Batista Picanço Neto, foi investigado. Ele aparecia falando com um dos sócios da Pulgatti, dando orientações sobre como aprovar processos de lavra e indicava o funcionário que poderia resolver o problema. Na matéria da revista Isto É o interlocutor acolhe a orientação e evidencia a existência de algo suspeito no ar.
“Vou procurá-lo pessoalmente. Isso não se fala por telefone”, diz. A investigação envolveu até um procurador da república, que estava encarregado de acompanhar o caso. Esse procurador era um dos representantes do Ministério Público Federal no Amapá e passou a ser investigado depois de ter sido citado nas conversas grampeadas. Numa delas, um homem não identificado diz que ele o ajudaria a resolver em Brasília uma pendência burocrática no DNPM. “O doutor lá levou meu processo em mãos para Brasília e me garantiu que ele mesmo ia falar com o diretor-geral”, afirma o homem em conversa com o sócio de uma das empresas investigadas.
Além de ter aparecido nos grampos, o procurador tinha algo mais a explicar. Até o Junior, o ex-diretor do DNPM pilhado no contrabando de urânio, trabalhava como funcionário de seu gabinete. Como passou a ser alvo, o procurador foi afastado do inquérito. Havia ainda outras autoridades e políticos na mira da polícia. Entre eles um deputado esta-dual e um ex-deputado federal.
O esquema era organizado e envolvia cifras significativas. Os grupos trabalhavam com o auxílio de engenheiros e geó-logos. Quando os garimpeiros encontravam minério radioativo, submetiam pequenas amostras a técnicos que certificavam os teores exatos de urânio de cada carregamento. Isso é o que vai indicar o valor do material. O quilo de torianita, que os negociantes preferem chamar de “material pesado”, ou simplesmente “pedra”, para evitar problemas, era vendido em dólar. Variava de US$ 200 a US$ 300.
As empresas envolvidas no negócio lucravam com a atividade, mas na prática não passavam de firmas de fachada. Em Macapá, a revista Isto É na época foi averiguar o endereço declarado à Receita Federal pela Uniworld Mineração, teoricamente uma das principais empresas do grupo de Pulgatti e do canadense John Young. No lugar, numa rua enlameada de um bairro periférico da cidade, estava um barraco de madeira. A pobreza do endereço era inversamente proporcional à vida que levavam os cabeças do esquema. Nas escutas, eles apareciam comprando caminhonetes importadas e fazendo orçamento até de avião.
O urânio, menina-dos-olhos dos traficantes, era o alvo principal da investigação e parte da composição da torianita, minério que mais parece uma areia grossa e escura. Cada quilo do material chega a ter 80 gramas de urânio e 750 de tório, igualmente radioativo e também prejudicial à saúde. A extração, o transporte e o armazenamento eram feitos na surdina, para driblar a lei - afinal, exploração de minério radioa-tivo é monopólio da União. A maior concentração das minas fica localizada na região central do Amapá, num triângulo formado pelos municípios de Porto Grande, Serra do Navio e Pedra Branca.
Por ser mais próximo da capital, Macapá, localizada a 110 quilômetros e com ligação por rodovia asfaltada, Porto Grande funcionava como uma espécie de entreposto do tráfico. Era para lá que era levada boa parte da produção que saía dos garimpos. A rota era variada. O minério seguia de carro para Macapá ou do garimpo era levado de barco até o Oiapoque, na ponta norte do Estado. Depois, seguia para a Guiana Francesa, de onde era despachado para outros paí-ses. Rússia, Coréia do Norte e paí-ses do continente africano eram de acordo com a PF alguns dos destinos sob investigação. Nos grampos, havia referência até de um estoque de oito toneladas que estariam sendo mantido no interior de São Paulo.
EsquemaSesquema era organizado e envolvia cifras significativas. Os grupos trabalhavam com o auxílio de engenheiros e geólogos. Quando os garimpeiros encontravam minério radioativo, submetiam pequenas amostras a técnicos que certificavam os teores exatos de urânio de cada carregamento. Isso é o que vai indicar o valor do material. O quilo de torianita, que os negociantes preferem chamar de “material pesado” ou simplesmente “pedra”, para evitar problemas, era vendido em dólar. Variava de US$ 200 a US$ 300, o quilo.
(
Diário do Amapá, 02/03/2008)