Entre as suaves ondulações que circundam um município gaúcho de 10 mil habitantes na fronteira com o Uruguai, começa a aflorar uma riqueza esperada há décadas. Mais perto do que nunca de transformar a escavação do solo em emprego e renda, Candiota é o alvo de investimentos que podem chegar a R$ 4,6 bilhões em sete anos. É a soma de três usinas que vão usar carvão mineral para gerar energia elétrica, cada vez mais disputada e cara no Brasil.
Epicentro de uma corrida do ouro negro - sólido, em vez de líquido - , Candiota se prepara para repetir o feito de outras pequenas e médias cidades, como Aratiba e Osório, que saltaram no mais tradicional ranking de riqueza do Estado por abrigar geração de eletricidade. Luiz Roque Klering, professor da Escola de Administração da UFRGS que há 22 anos acompanha a evolução da receita dos municípios do Estado, vaticina:
- Com esses investimentos, Candiota ficaria certamente entre os seis mais ricos municípios do Estado, caso seja mantida a atual forma de cobrança de imposto.
Klering lembra que Osório, historicamente situado ao redor da 60ª posição, saltou para o nono lugar graças ao parque eólico. Aratiba, uma cidade menor, na faixa dos 200, subiu para se situar entre os 25 primeiros mesmo dividindo o retorno da hidrelétrica de Itá com cidades vizinhas. Essa expectativa paira em Candiota desde 2007, com o início dos trabalhos da Fase C da usina Presidente Médici, tocada pela Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE). Confirmada na semana que passou, a implantação da térmica Seival II, que vai gerar 600 megawatts com investimento de US$ 1,4 bilhão, adensou a atmosfera de promessa.
Empreendedores se preparam para crescer com a cidade
Confiante no aumento da clientela proporcionado pelas obras, Fábio Amaro, proprietário de uma padaria na vizinha Hulha Negra, instalou há quatro meses uma filial em Candiota. Logo de início, a expectativa foi concretizada. Um contrato com a CGTEE garantiu o fornecimento de pães para a empresa. São pelo menos R$ 1,5 mil mensais garantidos.
- Espero que, com a chegada de mais funcionários, a venda aumente, e a padaria de Candiota se torne o meu carro-chefe - diz Amaro, 36 anos, casado, pai de quatro filhos, que faz diariamente o percurso entre as duas cidades.
Pontilhada de negócios nascentes como os de Amaro, Candiota se prepara para crescer. Antonio Magalhães, 42 anos, investiu o dinheiro que recebeu ao sair do antigo emprego na transformação de uma lancheria em uma moderna loja de móveis. Ainda nem inaugurou, mas já recebe clientes em busca de novidades.
- Será uma necessidade dos novos moradores ter boas opções de mercadorias. Por isso, estou investindo - explica Magalhães.
No Posto São Simão, o movimento nas bombas aditivou os lucros em pelo menos 25% desde o final de 2007. Agora, é preciso ir para Rio Grande a cada dois dias, repor o estoque de combustíveis. Além dos veículos dos funcionários das empreiteiras, é preciso abastecer a maior quantidade de máquinas que trabalham nas obras.
- Quase todo dia abrimos um cadastro novo - anima-se Rita Silveira, uma das três funcionárias contratadas para atender os novos clientes.
Dona do único hotel de Candiota, Maria Oliveira planeja a construção de uma nova ala com 10 quartos, mas ainda se sente frustrada. No ano passado, o Hotel Dal Cortivo chegou a hospedar executivos da Citic, empresa chinesa contratada para administrar a obra da Fase C, mas a ocupação média atual não tem ultrapassado os 10%. Na borracharia de José Carlos Fernandes, o aumento de serviço também ainda é uma esperança.
- Estamos esperando vir esse monte de gente e os carros deles - diz Fernandes.
Para Klering, é importante temperar os preparativos para o crescimento com cautela:
- As expectativas quase sempre são exageradas. Embora extremamente importantes para a região, as usinas não têm efeito multiplicador tão expressivo, são diferentes de montadoras, de um pólo petroquímico.
(Zero Hora, 02/03/2008)