Os grupos interessados em participar do leilão de privatização da Companhia Energética de São Paulo (Cesp) terão de fazer muitas contas e também muitas apostas no negócio, dizem especialistas ouvidos pelo Estado. "Estamos avaliando o negócio. Há pontos positivos na Cesp, mas há riscos consideráveis, que tornam o negócio uma aposta", comenta o diretor de uma grande empresa que estuda uma proposta pelas seis hidrelétricas da Cesp.
O ponto central é que o novo controlador não terá vencido uma concessão de serviço público, mas adquirido o controle de uma empresa, explica Erotides Guimarães, especialista em infra-estrutura da Vae Consultores. "Cada consórcio fará uma aposta dentro das expectativas econômicas de cada um. Se der errado, o grupo terá de assumir o prejuízo. Isso porque ninguém ganhará uma concessão que pode ter as bases revistas se houver algum problema econômico-financeiro. O consórcio comprará as ações de uma empresa. Ele não poderá renegociar o contrato com a União", explica Guimarães.
As incertezas sobre o tamanho das compensações ambientais e sociais e o prazo das concessões das usinas são as principais razões que tornam o negócio potencialmente um risco. Isso fez também o preço mínimo ser de R$ 49,75 por ação, valor que significa R$ 6,6 bilhões pelas ações de controle.
Além das questões ambientais não integralmente resolvidas, o risco regulatório não é pequeno. Excluída a Usina Hidrelétrica de Porto Primavera, que o mercado considera certa a prorrogação da concessão por mais 20 anos (embora não haja pronunciamento oficial do Ministério de Minas e Energia), não há qualquer garantia de alongamento para outras três importantes hidrelétricas da Cesp.
CANCELAMENTO"A venda deve resultar num prejuízo para o Estado. O ideal é o cancelamento do leilão e a renegociação das concessões pelo Estado de São Paulo", defende Murilo Celso Campos, presidente da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE).
A FNE já pediu ao governador José Serra a suspensão do leilão. Reúne agora informações que podem sustentar uma ação para interromper a venda. "Só Porto Primavera vale hoje R$ 12 bilhões. O preço mínimo pelo controle da Cesp será de R$ 6 bilhões. É uma diferença muito grande", diz.
O novo controlador terá de pedir a prorrogação das concessões da Usina de Três Irmãos que vence em 2011. As concessões das hidrelétricas de Jupiá e Ilha Solteira expiram em 2015. Pelas atuais regras de concessão, apenas Três Irmãos pode ter a concessão renovada.
As usinas de Ilha Solteira e Jupiá teriam de ser devolvidas à União para novo processo de licitação. As avaliações de grupos e consórcios agora devem responder a seguinte questão: um prazo tão curto da concessão conseguirá gerar o retorno para o investimento?
"Uma parte da energia gerada pela Cesp começa a ficar sem contrato a partir de 2012 e 2013. Era uma energia contratada por R$ 18 o megawatt/hora. A demanda crescente por energia já inflacionou os preços e os novos controladores poderão vender a energia descontratada a valores maiores. É com isso que os grupos estão apostando", diz um engenheiro da Cesp ouvido pelo Estado.
Com tudo isso, o resultado do leilão, por enquanto, é imprevisível. Há quem acredite num ágio de 40%, tendo como perspectiva a elevação das receitas com o aumento do preço da energia, e aqueles que consideram real a possibilidade de não haver interessados, dada as incertezas com cercam o negócio.
Barrageiro faz diques para tentar "segurar" lago
Rildo Gomes de Souza ajudou a construir a barragem da Usina de Porto Primavera. Hoje, trabalha como caseiro num condomínio em Anaurilândia (MS). Mas, nos últimos tempos, ganha a vida mesmo construindo diques às margens do lado sul-mato-grossense. Foi a única maneira que muitos proprietários encontraram para tentar frear o avanço do lago sobre o território.
Não é uma obra de engenharia refinada. Pelo contrário. Feita de mourão de eucalipto e pneu velho, o dique tem apenas remediado o problema. Não é uma solução aprovada pela Cesp, tampouco pelo IBAMA.
Rildo ganha R$ 150 por dique, num trabalho que requer só força bruta. O mourão de 2,5 metros é cravado a marretadas. Os pneus são amarrados com arame para não serem levados pela água. A construção tosca serve de quebra ondas, impedindo que a água continue a erodir a encosta. Dependendo da força das ondas, o dique pode não funcionar.
(O Estado de São Paulo,
FGV, 02/03/2008)