Oficialmente, o objetivo do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, é alcançar o nível de "desmatamento zero" na Amazônia. Mas o Brasil ainda está muito longe disso. As destruições foram retomadas com intensidade redobrada entre agosto e dezembro de 2007. Cerca de 7.000 km2 de florestas foram então arrasados para dar lugar para a soja, o gado e a cana-de-açúcar, conforme constatou em janeiro o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) a partir de levantamentos feitos por satélites.
No total, o ritmo do desmatamento entre agosto de 2007 e julho de 2008 poderá aumentar em 34%, ao passo que as autoridades brasileiras se vangloriavam durante a conferência sobre o clima em Bali, em dezembro de 2007, de terem controlado o fenômeno, baseadas em números que apontavam uma diminuição do desmatamento no decorrer dos três anos anteriores.
Nas últimas semanas, o presidente Lula exigiu que fossem tomadas medidas em caráter de emergência para inverter esta tendência. Com isso, a partir de 26
de fevereiro, a Polícia Federal deslanchou uma vasta operação que envolve a participação de 300 homens, que contarão com reforços, passando para cerca
de mil no total, no início de abril. O objetivo é combater o desmatamento ilegal nos Estados do Pará, do Mato Grosso e de Rondônia, os mais prejudicados por essas práticas.
Não menos de treze ministros são responsáveis pela luta contra o desmatamento na Amazônia, mas nem todos eles falam a mesma língua. O governo está profundamente dividido entre dois desafios: preservar a floresta tropical e incentivar o crescimento econômico.
Na cúpula do governo, duas mulheres encarnam este dilema. Marina Silva, a ministra do Meio Ambiente, que é nativa da Amazônia, possui certo prestígio em função do seu passado de lutas ao lado do militante ecologista assassinado Chico Mendes (1944-1988). Mas com freqüência ela chegou a ceder às pressões. Foi assim que ela autorizou a construção de duas centrais elétricas no rio Madeira, um afluente do Amazonas. A outra é Dilma Rousseff, chefe de gabinete do presidente Lula, responsável pelo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), que foi elaborado com o objetivo de multiplicar a infra-estrutura pelo país afora, principalmente na Amazônia, onde estão sendo implementados inúmeros projetos de estradas, portos e usinas
hidrelétricas.
Depois do recorde sombrio que fora registrado entre agosto de 2003 e julho de 2004, quando 27.429 km2 de madeira haviam sido transformados em fumaça, Marina Silva reorganizou os procedimentos de vigilância por satélite, mas sem poder contar nem com meios, nem com recursos humanos. "As multas que são aplicadas pelo Estado são ridiculamente reduzidas e não impedirão o desmatamento de prosseguir", prevê um dos diretores da organização Greenpeace Brasil, Sergio Leitão. Segundo ele, apenas 2% das multas aplicadas são efetivamente pagas pelos destruidores.
100.000 km de vias clandestinas"As autoridades idealizaram o desenvolvimento da Amazônia em função de um modelo que vigorava durante os anos 1950", critica Sergio Abranches, um
sociólogo especialista em ecologia política. Ele cita como exemplos as rodovias que foram planejadas para escoar os gêneros alimentícios agrícolas, tais como a BR 163, que liga Cuiabá a Santarém e foi asfaltada pela metade, e aquela que deverá ligar Porto Velho a Manaus, mas que ainda se encontra em fase de estudos.
Os levantamentos cartográficos comprovam que as vias asfaltadas se transformam em amplas avenidas que favorecem o desmatamento, o qual é promovido pelos traficantes de madeira, os garimpeiros, os aventureiros e os agricultores. No total, já existiriam cerca de 100.000 km de caminhos clandestinos.
Marina Silva procura estimular as atividades de "exploração sustentável" em áreas que foram batizadas de "unidades de conservação", além de umaadministração vigiada das florestas públicas, as quais correspondem a 40% do total da superfície florestal do país. Com isso, uma floresta de 2.200 km2 em Jamari (Rondônia) será cedida em breve para concessionárias privadas que deverão desenvolver uma "exploração limpa". É um começo.
Nove organizações não-governamentais (ONGs) brasileiras e internacionais elaboraram um ambicioso Pacto para a Valorização da Amazônia, com o objetivo
de erradicar o desmatamento até 2015. "Nós precisamos valorizar a manutenção da floresta que ainda está preservada e remunerar aqueles que a protegem", argumenta Adriana Ramos, da ONG Instituto Sócio-Ambiental, signatária do pacto.
O Brasil quer demonstrar que está preocupado com a Amazônia, por temer uma internacionalização da manutenção da maior floresta tropical do planeta, cujo desmatamento por meio de queimadas vem contribuindo para a emissão de gases de efeito estufa. Em seu livro intitulado "Brasil: o capital natural", o agrônomo brasileiro Mauro Victor se diz convencido de que "se o Brasil não conseguir debelar a destruição da Amazônia por convicção, ele será obrigado a fazê-lo por conta das pressões externas; estas serão em primeiro lugareconômicas e comerciais, e depois se tornarão políticas e até mesmo militares".
As eleições municipais estão agendadas para outubro. A ministra do Meio Ambiente teme que, neste ano eleitoral, muitos prefeitos da Amazônia façam vistas grossas para as destruições ilegais perpetradas pelos seus eleitores.
(
Le Monde, 02/03/2008)