A última vez que o Brasil foi obrigado a introduzir um racionamento de eletricidade, isso ajudou a derrubar o governo. Durante 2001 e 2002, a combinação de pouca chuva e má gestão forçou os distribuidores a limitarem o fornecimento de eletricidade tanto para empresas quanto para usuários residenciais.
O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso foi rotulado de "governo do apagão" e seu partido foi derrotado na eleição de 2002. O governo do seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, tem buscado evitar qualquer impressão de que isso possa voltar a acontecer.
"Nós podemos dizer que qualquer possibilidade de racionamento neste ano foi descartada, e já estamos nos preparando para 2009", anunciou neste mês Hermes Chipp, presidente da ONS, uma agência do governo que supervisiona o setor.
Outros discordam. Em um recente relatório para seus clientes, Rowe Michels e colegas da Bear Stearns alertaram: "As próximas semanas e meses serão críticos. Se os reservatórios não se recuperarem o suficiente para sustentar o país durante a estação seca (entre maio e outubro) ... alguma espécie de racionamento preventivo poderá ser adotado já em maio, no pior cenário".
Outros argumentam que um racionamento já está implantado. Nenhum corte foi anunciado, mas a forma como o mercado de energia do Brasil é estruturado resultou em aumentos tão altos de preços para alguns usuários industriais a ponto de forçar duas grandes empresas a fecharem e demitir funcionários.
É irônico que parte do problema do Brasil se deve ao fato de ser abençoado com eletricidade abundante e barata de usinas hidrelétricas. Elas fornecem cerca de 85% da eletricidade, mas grandes represas são caras e levam tempo para ser construídas, e novos projetos têm sofrido atrasos e dificuldades, especialmente na obtenção das licenças ambientais.
Apesar do Brasil ter desenvolvido apenas um terço de seu potencial hidrelétrico, o governo se voltou para usinas térmicas, de construção mais rápida, para compensar uma redução da oferta e reduzir a vulnerabilidade do país à chuva insuficiente.
Mas as novas usinas não estão acompanhando a demanda. Parte do problema é a escassez de gás natural. A principal fornecedora do Brasil é a Bolívia, mas desde que La Paz nacionalizou sua indústria de gás em 2006 (confiscando ativos de propriedade da Petrobras, a companhia de petróleo estatal brasileira), o investimento foi suspenso. Agora a YPFB, a empresa de hidrocarbonetos do setor público boliviano, não consegue atender seus contratos e deseja desviar parte do gás prometido ao Brasil para a Argentina, que enfrenta uma escassez ainda maior.
A YPFB também quer que a Petrobrás abra mão das multas pesadas estipuladas em seu contrato. O Brasil já cedeu em ocasiões anteriores para ajudar seus vizinhos, mas desta poderá não ceder. Uma reunião entre os presidentes dos três países na semana passada fracassou em encontrar uma solução. Celso Amorim, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, alertou que o Brasil não pode ficar sem o gás que contratou.
Paulo Ludmer, um consultor de energia e ex-chefe da Abrace, uma associação dos usuários industriais de eletricidade, diz que a escassez de chuva durante a estação chuvosa, de novembro a abril, foi agravada pelas regras introduzidas pelo governo Lula. De acordo com este modelo, os distribuidores de eletricidade são obrigados a ter contratos com geradoras para cobrir as necessidades de seus clientes. Mas os usuários industriais têm a opção de comprar eletricidade diretamente das geradoras. Cerca de 25% da energia usada no Brasil é comprada desta forma. Mas com o crescimento da economia brasileira, a demanda ameaça superar a oferta. "Não há contratos disponíveis", disse Ludmer.
Isto força os grandes usuários a recorrerem ao mercado à vista, onde os preços flutuam enormemente. À medida que a escassez aumenta, o preço à vista para um megawatt/hora, que antes era negociado abaixo de R$ 100 por megawatt/hora, atingiu no mês passado o teto permitido de R$ 569,69. Foi nesta circunstância que a Novelis, uma produtora de alumínio, anunciou o fechamento de fábricas. O Coteminas, uma empresa têxtil de propriedade da família do vice-presidente do Brasil, também teve que fechar fábricas, mas não retornou os pedidos de comentário.
Com estes e outros atrasos mantendo um equilíbrio perigoso entre oferta e demanda, a segurança da oferta depende novamente do tempo. Os brasileiros -e especialmente o governo- precisam rezar por chuva.
(Por Jonathan Wheatley
, Financial Times, 29/02/2008)