Estudo mostra a relação da doença com eventos climáticos nos oceanos
A dissertação de mestrado "Incidência de malária no Estado do Pará e suas relações com a variabilidade climática regional" foi defendida no final do ano passado pela enfermeira Andressa Tavares Parente. Ela fez uma análise de uma série de 35 anos de dados anuais (1970-2005) e 14 anos de dados mensais (1992-2005) da Secretaria de Estado de Saúde (Sespa) referentes a quatro diferentes regiões do Pará. As informações foram comparadas com os dados de precipitação pluviométrica obtidos na Agência Nacional de Águas (ANA), no Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e por meio do GrADS, um programa computacional de previsão e monitoramento de chuva na Amazônia.
A variabilidade da chuva na Amazônia depende de algumas forçantes climáticas. Um diagnóstico mostra que, em pontos específicos da Amazônia, a chuva tem uma dinâmica própria de formação . Quando o Oceano Pacífico está muito quente, atribui-se ao fenômeno El Niño todo o impacto climático regional. Quando está muito frio, sabe-se que é La Niña que influenciará o clima.
A ação do Oceano Pacifico sobre o clima da região é indireta. Já o Oceano Atlântico, mais próximo ao Estado, tem uma incidência climática direta, uma vez que é nessa bacia que se forma o principal sistema indutor de chuva na Amazônia: a Zona de Convergência Intertropical - ZCIT, muito falada no noticiário sobre previsão do tempo. O estudo trabalhou especificamente a incidência de chuva no Pará e como se comportaram os índices da malária nos municípios de Anajás, Itaituba, Santana do Araguaia e Viseu, locais que historicamente têm grande incidência da doença - localizados em regiões diferentes com padrões climatológicos de chuva diferenciados.
"Não foi possível fazer uma pesquisa de campo, porque não tínhamos financiamento e a proposta não é gerar dados primários e sim trabalhar dados secundários, fazendo um diagnóstico que favoreça ações preventivas de controle da malária, tendo como base o cenário climático regional. Poucos estudos fazem a associação desses fenômenos climáticos, principalmente os do Oceano Atlântico, com a incidência de doenças de veiculação hídrica, como é o caso da malária", esclarece Andressa.
O estudo comparou o Índice Parasitário Mensal (IPM) e o Índice Parasitário Anual (IPA) dos quatro municípios com os períodos de maior e menor precipitação. Concluiu-se que os impactos dos eventos climáticos gerados pelos oceanos foram compatíveis a picos de incidência de malária, porém diferenciados mostrando que nem sempre a regra "quanto mais chuva mais malária" vale para todos os municípios já que a doença também pode ocorrer em períodos de seca.
Ambiente é importante no estudo climático
A malária é um problema de saúde pública mundial que afeta a população de diferenciadas regiões tropicais e subtropicais. Na Amazônia é uma endemia regional, sendo que na região Norte o estado do Pará ainda apresenta registros de altas taxas de incidência da doença.
O fator ambiental é relevante no estudo da doença, já que a floresta é o habitat natural do vetor. A pesquisa de Andressa levantou os outros fatores que concorrem para a incidência da malária na região, como as taxas de desmatamento, o crescimento populacional e a atividade garimpeira , destacando os resultados na variabilidade climática pela evidente relação entre a distribuição de chuva e a malária.
"No ano em que teremos variação climática é possível saber o impacto desse cenário de chuva e compará-lo com os resultados de vários anos, indicar os municípios que podem ter situações críticas, aliar aos demais fatores e planejar a política pública de controle da doença.
Pesquisa consolida relação interdisciplinar
O Programa Pós-graduação em Ciências - desenvolvido na UFPA em parceria com a Embrapa Amazônia Oriental e o Museu Emilio Goeldi - foi criado com o objetivo de abordar as ciências ambientais num caráter multidisciplinar e interinstitucional. A idéia é unir profissionais de diversas áreas para gerar pesquisa aplicada no contexto da Amazônia,explorando os enfoques regionais.
"Esse impacto do Oceano Atlântico no clima é cientificamente estudado, mas a aplicação desse conhecimento na área de saúde, na relação com a incidência de malária na região é o grande resultado do estudo de Andressa, porque mostrou os padrões do Oceano Atlântico a sua influência na formação na chuva e conseqüentemente na incidência da doença." Resume o doutor em meteorologia Everaldo Barreiros de Souza, orientador do trabalho.
Para ele, o trabalho consolida a interdisciplinariedade entre saúde e meio ambiente no programa de ciências ambientais. "O estudo traçou um diagnóstico sobre a malária e quais regiões são mais criticas em função dos cenários do Atlântico norte aquecido e Atlântico sul frio. O ganho está em fornecer dados para o planejamento de políticas públicas de controle da malária considerando a relação da modulação do clima do Oceano Atlântico, com a chuva do Pará e conseqüentemente o impacto na incidência de malária.Os resultados obtidos no trabalho são consistentes com os estudos já realizados relacionando a malária com outras variáveis ambientais como desmatamento e crescimento populacional" afirma o professor Everado.
O estudo será apresentado à Sespa, que já manifestou interesse em conhecer os resultados. "Estudar a malária pode parecer um assunto antigo, repetitivo, mas é interessante porque ainda há grande número de óbitos no interior do Estado, o que prova que a doença não está controlada" alerta Andressa.
(FGV, 29/02/2008)