Santa Catarina vive dois extremos climáticos neste início de ano. Enquanto no Leste do Estado, o problema é o excesso de chuva; no Oeste, a estiagem é que traz transtornos. A região começa a enfrentar a sétima estiagem em nove anos. Apenas 2001 e 2007 escaparam da seca.
Em Seara, onde a situação é mais crítica, os moradores chegam a ficar até três dias sem água. A população tenta se adaptar à nova situação, buscando água com vasilhames plásticos nos vizinhos ou em poços artesianos. É o caso de Claudemir Galiasi, que foi buscar água num carrinho de mão, no Centro da cidade, para conseguir lavar roupa e fazer comida. Outros vão tomar banho nos vizinhos, como é o caso da auxiliar de produção Rosane Vieira. Em casos extremos, crianças deixam de freqüentar a escola por falta de banho.
Em Cordilheira Alta, que também está em emergência, o problema maior é na área rural, onde a prefeitura está levando água para servir às criações. Na propriedade gerenciada por Jandir Salvador, são 8 mil litros de água por dia para a criação de 13,5 mil perus.
- Sem água, a gente não vive - disse o avicultor.
Em Arvoredo, a prefeitura está levando água para 30 propriedades. São 150 mil litros por dia. O motorista do caminhão-pipa, Gelson Giaretta, trabalha 10 horas por dia para fazer as 12 viagens necessárias. A prefeitura chegou a abrir um reservatório de água para encher o caminhão. Porém, o nível do depósito baixou um metro em apenas uma semana. O auxiliar Dorvalino Seghetto estima que em uma semana o reservatório estará seco, caso não chova. A alternativa seria o Rio Irani, o que aumentaria a distância das viagens em 10 quilômetros. O prefeito Neuri Meneguzzi (PMDB) está fazendo o levantamento das perdas e pode decretar emergência nos próximos dias. Na área urbana, ainda não faltou água, mas o abastecimento está "apertado", definiu o prefeito.
Quantidade de municípios em emergência poderá aumentar
Já são 11 municípios em situação de emergência e este número deve aumentar com a previsão de continuidade da estiagem. Ontem ocorreram pancadas de chuva em alguns pontos. Foram apenas alguns milímetros, enquanto a necessidade seria de 100 milímetros em dois dias, de acordo com o observador meteorológico da Epagri de Chapecó, Francisco Schervinski. Hoje devem prosseguir as pancadas em algumas cidades, mas de forma mal distribuída e insuficiente para amenizar os problemas da região.
O Oeste de Santa Catarina vai conviver com chuvas na média ou abaixo da média nos próximos três meses. A previsão é do Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia de Santa Catarina (Ciram), vinculado a Epagri.
De acordo com o meteorologista Maurici Monteiro, o resfriamento das águas do Oceano Pacífico, fenômeno conhecido do La Niña, está em níveis similares aos de 1970/1971 e de 1973/1974 e mais intenso que o de 1954/1955, anos em que o Estado conviveu com períodos bastante secos.
Isso significa que o Oeste terá mais alguns meses de estiagem, o que deve agravar a situação já existente. Monteiro afirmou que o La Niña diminui a intensidade da região de baixa pressão da Argentina e Paraguai, denominada "Baixa do Chaco", responsável por períodos de umidade no Oeste Catarinense. Monteiro destacou ainda que o La Niña deve continuar com influenciando o clima no Estado nos próximos anos, como já vem ocorrendo desde 2000.
Nos últimos oito anos, somente em três anos o mês de fevereiro teve chuva normal ou acima do normal. O observador meteorológico da Epagri em Chapecó, Francisco Schervinski, citou que em 2001, 2003 e 2007 houve chuva acima dos 188,6 milímetros da média histórica do mês. Já em 2008, a marca passa longe da média histórica. Até ontem foram apenas 25 milímetros. Mas o pior ano foi 2005, com apenas 8,2 milímetros, mês mais seco desde a criação da estação, em 2005. A curto prazo, há previsão da chegada de uma frente fria que pode provocar chuva nos próximos dias na região Oeste, mas ainda insuficiente para amenizar a situação.
No Litoral, o período chuvoso segue em março
Enquanto o Oeste sofre com falta de chuva, o Leste é castigado com excesso de água. Essa região sofre influência do Oceano Atlântico, que está com a temperatura da superfície mais elevada do que o normal. Isso gera mais evaporação e, segundo o meteorologista do Ciram/Epagri, os ventos do oceano trazem umidade ao Litoral.
Essa umidade não vai mais para o interior do Estado devido à Serra Geral. Isso acaba provocando mais chuva na região litorânea e no Vale do Itajaí. A previsão de Monteiro é de que esta situação persista em março, mas provavelmente não mais em abril e maio.
Defesa Civil critica falta de medidas preventivas
Como a estiagem já é algo comum, pelo menos nesta década, na região Oeste, a Defesa Civil do Estado considera que algumas medidas já poderiam ter sido adotadas pelas prefeituras para amenizar a situação. O diretor do órgão, Márcio Luiz Alves, lembrou que, em 2006, quando quase 200 municípios decretaram emergência, o governo federal libertou R$ 10 milhões para obras de captação e distribuição de água. Alves disse que alguns municípios com problemas de estiagem têm fontes de captação próximas, que poderiam resolver a situação.
Ele rebateu argumentos de que os decretos de emergência seriam para a aquisição de equipamentos.
- Se havia previsão de estiagem, os equipamentos poderiam ter sido licitados anteriormente - comentou, ao observar que há situações em que os municípios decretam emergência sem real necessidade.
Estudos da Epagri mostram que o problema não é a falta de chuva durante o ano na região Oeste, mas a má distribuição. De acordo a Epagri de Chapecó, as chuvas começaram a diminuir a partir de dezembro do ano passado. Em novembro, choveu 276 milímetros, 100 milímetros a mais do que a média histórica.
Seara vive a quinta emergência em 4 anos
Em relação à estiagem de 2006, algumas medidas como proteção de fontes, perfuração de poços e construção de cisternas foram tomadas. Mas são ações consideradas pontuais diante do problema. Outras medidas que poderiam evitar o sofrimento da população travaram na burocracia.
Um exemplo é Seara, que está no quinto decreto de emergência em quatro anos. Ano após ano, o município convive com racionamento devido à baixa vazão do Rio Caçador, que não atende mais a demanda da cidade.
Basta chover pouco em um mês que a cidade já entra em rodízio no fornecimento de água. A solução é um poço profundo que teve sua ordem de serviço assinada em dezembro de 2005. A empresa ganhadora da licitação não teve capacidade de realizar a obra e outra empresa foi contratada. Porém, a segunda empresa teve problemas com uma broca que quebrou durante a perfuração. O poço teve que ser recomeçado e foi concluído em agosto do ano passado.
De acordo com o gerente regional da Casan em Seara, Marcelo Cozer, houve uma demora no edital pois o custo do sistema de bombeamento da água era alto. Na semana passada, a Casan anunciou a empresa vencedora da licitação para a nova bomba, pois não existe modelo pronto para a necessidade do poço de Seara. Isso deve demorar mais 120 dias.
Uma bomba de menor capacidade já foi instalada provisoriamente. A prefeitura e os Bombeiros estão distribuindo água com dois caminhões e dois tratores. A Casan também contratou um caminhão para buscar água em Itá, a 22 quilômetros. Nada disso seria necessário caso a bomba definitiva já funcionasse.
Prejuízos de até 70% nas lavouras
Arvoredo
A estiagem já afeta lavouras de milho e soja na região Oeste. Agricultores registram perdas de até 70%. É o caso de Nelsinho Sansigolo, morador da Linha São Luiz, em Arvoredo.
Ele plantou dois hectares de milho e não deve colher mais que 40 sacas. A maioria das espigas ficou com 1/3 do tamanho normal.
- Faltou chuva na hora da floração e formação do grão. A lavoura acabou amadurecendo precocemente.
O agricultor até tentou retirar parte da lavoura e tratá-la para o gado, com o objetivo de replantar milho. Mas a nova tentativa também não deu certo. Sem umidade, as plantas não se desenvolvem.
- Acho que não vai dar nada - lamentou o produtor.
Com isso não deve cobrir os R$ 600 que investiu na lavoura.
- Não vale a pena plantar - desabafou ele, que não tem financiamento, nem seguro.
Casan alerta para o uso racional
Como há previsão de chuva abaixo da média nos próximos três meses, a Casan alerta a população dos municípios do Oeste para que faça um uso racional da água.
O superintendente de negócios da Casan, Paulo Christ, destaca que, além dos municípios que já estão em racionamento, outros como São Lourenço Doeste e Dionísio Cerqueira provavelmente entrarão em sistema de rodízio no fornecimento.
Em São Lourenço Doeste, no entanto, um poço, de 1.560 metros, deve entrar em atividade em março. Falta instalar a bomba e uma torre de resfriamento.
Em Maravilha, onde o fornecimento é restrito, também há previsão de inauguração de um poço profundo em março.
Paulo Christ citou que neste momento é importante a consciência da população.
- Dizer que está pagando pela água é falta de bom senso e irresponsabilidade - destacou.
(Diário Catarinense, 28/02/2008)