Com espécies de plantas desaparecendo em uma taxa alarmante, cientistas e governos estão criando uma rede global de bancos de plantas para armazenar sementes e brotos, recursos genéticos preciosos que poderão ser necessários para o homem adaptar a oferta mundial de alimentos à mudança climática.
Nesta semana, a nau capitânia desse esforço, o Banco Internacional de Sementes, recebeu suas primeiras sementes aqui, milhões delas. Escavado no meio de uma montanha congelada no Ártico, coberta de neve, a meta do Banco de Sementes é armazenar e proteger amostras de todo tipo de semente de toda coleção de sementes do mundo.
Na quinta-feira, milhares de caixas de sementes bem embaladas e rotuladas -ervilhas da Nigéria, milho do México- residiam nesta estrutura semelhante a uma caverna lisa, formando um tipo de disco de backup, em caso de desastres naturais ou erros humanos erradicarem as sementes do mundo exterior.
Descendo quase 70 metros de profundidade sob o gelo permanente, a entrada do túnel para o banco de sementes foi projetada para suportar bombas nucleares e terremotos. Um sistema de monitoramento digital automatizado controla a temperatura e fornece segurança semelhante a de um silo de míssil ou o Forte Knox (o "cofre" do governo americano onde é guardado ouro, por exemplo). Nenhuma pessoa possui todos os códigos para entrar.
O Banco de Sementes faz parte de um esforço mais amplo para reunir e sistematizar informação sobre as plantas e seus genes, o que especialistas na mudança climática dizem que poderá ser muito mais valioso do que ouro. Em Leuven, Bélgica, os cientistas estão revirando o mundo em busca de amostras de banana para preservar os brotos em nitrogênio líquido, antes que se tornem extintos. Um esforço semelhante está em andamento na França com cafeeiros. Várias plantas, a maioria dos trópicos, não produzem sementes que possam ser armazenadas.
Por anos, uma rede confusa de bancos de sementes vinha reunindo aleatoriamente coleções de sementes e brotos. Laboratórios no México armazenavam espécies de milho. Os da Nigéria armazenavam mandioca. Agora esses esforços dispersos estão sendo consolidados e sistematizados, em parte devido à melhor tecnologia para preservar genes de plantas e, em parte, devido ao crescente alarme em relação à mudança climática e seu impacto sobre a produção mundial de alimentos.
"Nós começamos a pensar nisso depois do 11 de Setembro e do Furacão Katrina", disse Cary Fowler, presidente do Global Crop Diversity Trust (fundo global de diversidade agrícola), um grupo sem fins lucrativos que dirige o banco. "Todos diziam, por que ninguém se preparou antes para um furacão, já que sabíamos que aconteceria?" "Bem, nós estamos perdendo biodiversidade diariamente -é como uma goteira. Também é inevitável. Nós precisamos fazer algo a respeito."
Nesta semana, a urgência do problema foi ressaltada quando os preços do trigo atingiram altas recordes e os estoques de trigo caíram para o nível mais baixo em 35 anos. Uma série de secas e novas doenças reduziram a produção de trigo em muitas partes do mundo. "A erosão dos recursos genéticos das plantas está ocorrendo rapidamente", disse Rony Swennen, chefe da divisão de biotecnologia agrícola da Universidade Católica de Leuven, na Bélgica, que preserva metade dos 1.200 tipos de banana do mundo. "Nós estamos em um momento crítico, e se não agirmos rapidamente, nós vamos perder muitas das plantas que podemos precisar."
O Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Agricultura e Alimentação da ONU, ratificado em 2004, criou uma rede global formal para armazenamento e compartilhamento de sementes, assim como para estudo de suas características genéticas. No ano passado, seu banco de dados recebeu milhares de novas sementes.
Um sistema de bancos de plantas poderia ser crucial para uma resposta a crises climáticas, já que poderia identificar material genético e variedades de plantas mais capazes de lidar com um ambiente alterado.
Aqui no Banco Internacional, centenas de caixas cinzas contendo sementes de lugares que variam da Síria ao México, foram levadas nesta semana para um "cofre" gelado para serem colocadas em animação suspensa. Elas apresentam uma vasta variedade de qualidades, como a capacidade de suportar climas mais quentes, mais secos.
A mudança climática deverá provocar novos problemas no tempo, assim como novas pragas vegetais nas regiões agrícolas. As emissões dos gases do efeito estuda produzirão não apenas aquecimento global, mas um aumento de eventos climáticos extremos, como enchentes e secas, concluiu o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática.
Três quartos da biodiversidade agrícola já foram perdidos no último século, segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). Por exemplo, 80% dos tipos de milho que existiam nos anos 30 não existem mais. Nos Estados Unidos, 94% das ervilhas não são mais cultivadas.
Os bancos de sementes operam há décadas, mas muitos são baseados em áreas agrícolas e poucos são tão seguros ou apresentam a mesma alta tecnologia que o Banco Internacional de Sementes. Eles sempre foram considerados recursos para hobbystas, cientistas, agricultores e outros em vez de uma ferramenta para a sobrevivência humana.
A importância e vulnerabilidade deles se tornou aparente nos últimos anos. Bancos de sementes no Afeganistão e Iraque foram destruídos durante os conflitos nestes países, por saqueadores que estavam atrás dos contêineres de plástico que guardavam as sementes. Nas Filipinas, um tufão atravessou a parede de um banco de sementes, destruindo várias amostras.
Na revisão das políticas dos bancos de sementes há poucos anos, especialistas começaram a ver os bancos sob uma nova luz, disse Fowler: "Nós dissemos, nós podemos ter alguns dos melhores bancos de sementes do mundo, mas vejam onde estão: Peru, Colômbia, Síria, Índia, Etiópia e Filipinas. Então muitos de nós perguntaram, qual é o plano B?"
A meta de um novo sistema global de bancos de plantas visa proteger os preciosos genes vegetais armazenados dos caprichos do clima, política e erro humano. Muitos bancos agora estão "em países nos quais a situação política não é estável e onde é difícil confiar na refrigeração", disse Swennen. As sementes devem ser armazenadas a -20ºC e as plantas que precisam de criopreservação devem ser mantidas ainda mais frias.
"Nós estamos dentro de uma montanha no Ártico porque precisamos de um lugar realmente seguro, que opere por conta própria", disse Fowler. No subsolo em Longyearbyen, a apenas 965 quilômetros do Pólo Norte, as sementes permanecerão congeladas apesar da falta de energia elétrica. O Global Crop Diversity também está financiando pesquisa de métodos para armazenar material genético de plantas como bananas e cocos, que não podem ser armazenados na forma de sementes.
O cofre foi construído pela Noruega, e suas operações são financiadas por doações governamentais e privadas, incluindo US$ 20 milhões do Reino Unido, US$ 12 milhões da Austrália, US$ 11 milhões da Alemanha e US$ 6,5 milhões dos Estados Unidos.
O esforço para preservar uma grande variedade de genes de plantas em bancos é particularmente urgente, pois muitas fazendas atualmente cultivam apenas uma ou duas culturas agrícolas, com muita eficiência. Como cães de raça pura adaptados perfeitamente para sua tarefa, elas são particularmente vulneráveis a pestes e mudanças climáticas.
Os cientistas também estão trabalhando para aprender mais sobre as tarefas codificadas nos genes de cada semente guardada -conhecimento crucial que freqüentemente não existe registrado. No final, os criadores de plantas poderão consultar um banco de dados global para encontrar as sementes com genes adequados para a mudança climática específica enfrentada por uma região -por exemplo, um milho com caule que resista a ventos mais fortes ou um trigo que precise de menos água.
Mas no momento em que é importante preservar a biodiversidade, a economia encoraja os produtores rurais a abandonarem culturas agrícolas. Mas as sementes abandonadas podem conter características que seriam vantajosas em outro local ou outra época. Os cientistas da Universidade de Cornell recentemente pegaram um gene de uma batata sul-americana para produzir batatas capazes de resistir ao fungo requeima, uma doença devastadora que causou a Grande Fome irlandesa.
"É preciso um sistema que conserve a variedade para que não seja extinta", disse Fowler. "Um agricultor pode fazer uma tigela de mingau com as últimas sementes de uma variedade que não tem utilidade para ele, e então acabou. Mas potencialmente esses podem ser exatamente os genes que precisaremos daqui uma década."
(Por Elisabeth Rosenthal, The New York Times, tradução de George El Khouri Andolfato,
UOL, 29/02/2008)