O site da Câmara anuncia na terça-feira, 26, que um grupo ianomâmi, de Roraima, foi a Brasília protestar contra a visita de deputados a aldeias desse povo naquele Estado. Alegam, entre outras coisas, que a comitiva parlamentar desrespeitou os ianomâmi ao não avisar — e com antecedência — da visita. Denunciam que os deputados teriam tentado convencer os índios a apoiar projetos de mineração em terras indígenas, vendendo benefícios da exploração mineral e ofertando presentes.
De imediato, Eduardo Valverde (PT-RO), relator da comissão que foi a Roraima, rebate. Afirma, sem meias palavras, que as críticas de indígenas ao trabalho da comissão resultam da desinformação de lideranças e de organizações não-governamentais ligadas aos índios. Valverde tem lá suas razões.
Há décadas, e por pressões externas, um sofisticado marketing tenta vender — inclusive com a ajuda de parte da imprensa brasileira — a idéia de que a etnia ianomâmi deve ser uma espécie de nação independente.
E o poderoso lobby tem levado a melhor. Até convenceu as autoridades de Brasília a homologar de forma contínua a terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. A área homologada fica na fronteira brasileira com Venezuela. É ali onde se localizam as maiores jazidas de ouro do Brasil. O decreto foi assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 15 de abril de 2005.
Empolgado com a medida, o então ministro da Justiça, Márcio Thomas Bastos, afirmara, à época, que o decreto põe "ponto final" a um problema que se arrastava havia mais de 20 anos, produzindo inquietação na região. "Esse é um grande momento do governo, em que nós assinalamos a firme determinação de continuar a demarcar terras indígenas, e principalmente pacificar situações, para que até o final do mandato nós tenhamos em todos os estados".
Cartel do ouroA visão de Bastos, entretanto, contraria a de renomados estrategistas militares. É o caso do coronel do Exército Gélio Fregapani. Ele vê a demarcação da área contínua ianomâmi como grave ameaça à soberania nacional. "Todos sabíamos que uma área despovoada (e habitável) em um mundo superpovoado seria um dia objeto de disputa. Entretanto, agora, tem um novo dado: o ouro que pode abalar um mercado secularmente estabelecido. O perigo é real, e imediato", escreve Fregapani, em seu livro Amazônia - A grande cobiça internacional. Sua obra é uma aula em defesa da região.
Existem denúncias de que geólogos estrangeiros, muitos disfarçados de missionários, mapearam jazidas minerais em diversas áreas da Amazônia. Em 1957 missionários da Missão Evangélica da Amazônia (Meva) chegaram á área ianomâmi. Suspeitava-se que havia geólogos entre eles.
Na área do Morro de Seis Lagos, no Amazonas, área de concentração de nióbio, alguns pastores foram flagrados com aparelhos de medir anomalias radioativas do local. A jazida de Seis Lagos, com 2,9 bilhões de toneladas de nióbio. O minério é utilizado em produtos sujeitos a altas e baixas temperaturas, como aviões e foguetes. A jazida fica em São Gabriel da Cachoeira, a 858 quilômetros de Manaus.
Como se vê, o Brasil já começa enfrentar problemas. Os ianomâmi são contrários à exploração de ouro nas terras de Roraima, onde eles vivem. O Projeto de Lei 1610/96, do Senado, permite a lavra de recursos minerais em terras indígenas por meio de autorização do Congresso e com pagamento de royalties para os índios e para a Fundação Nacional do Índio (Funai).
O projeto também permite que os índios garimpem as áreas delimitadas de forma direta ou em associação com uma empresa de mineração. O Brasil possui hoje 196 áreas indígenas com problemas de garimpo ilegal. Daí, a necessidade de um debate sobre possíveis soluções para os conflitos. Segundo Eduardo Valverde, a exploração não pode afetar o modo tradicional de vida e o habitat natural dos índios. É por isso, segundo ele, que a Câmara está buscando uma saída negociada para a questão.
Para os ianomâmi, a regulamentação da exploração mineral em terras indígenas não trará o sossego esperado. Davi Kopenawa Ianomâmi, dirigente Huturaka Associação Ianomâmi, conta que, historicamente, o garimpo ilegal dentro de territórios indígenas aumentou a violência e a disseminação de doenças. "Depois que os 30 mil garimpeiros entraram de bolo (muitas pessoas) em 1986, poluíram nosso rio, destruíram nossa água, trouxeram doença de malária. Mineração é muito pesado para nós. É muito perigoso. A mineração está querendo acabar com o povo Ianomâmi".
Emprego para milharesA quantidade incalculável de ouro da área ianomâmi se, explorada, poderia garantir um lastro à nossa combalida economia e ainda oferecer trabalho a milhões de brasileiros. "Isto não é de interesse do cartel, para quem a queda seria um desastre", avalia Fregapani.
"Para interromper a exploração já usaram o argumento da preservação ambiental; do "pulmão do mundo"; agora estão usando a "preservação das etnias e das culturas indígenas" e usarão, se necessário, a independência da "nação ianomâmi", e a garantirão com as tropas da ONU, nos moldes da independência do Kuwait".
No início da década de 1980 as minas de Pitinga, no Amazonas, quebraram o cartel do Estanho, com sede em Londres. A comemoração, no entanto, durou pouco. Pressões ambientalistas tornaram-se virulentas. A meta desses grupos era paralisar quaisquer atividades econômicas na Amazônia. "Fingindo querer proteger o meio ambiente foram usados os argumentos mais anticientíficos, como a tal estória de a Amazônia ser o pulmão do mundo, além do sofisticado marketing onde houve até um príncipe inglês de testa", escreve Fregapani.
"Quando falam na necessidade de uma grande reserva para preservar a cultura ianomâmi, não é bem isso que querem preservar (...) É provavelmente o preço internacional do ouro, que cairá violentamente quando forem exploradas as imensas jazidas daquelas terras", analisa o militar. Fregapani lembra, por sua vez, que os ianomâmi parecem não ser autóctones mais migrantes do Caribe e os macuxis (onde há reservas de diamantes), migrantes da Guiana. Eles ficaram ao lado dos britânicos quando estes tomaram parte do território brasileiro.
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Agência Amazônia, 27/02/2008)