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2008-02-27

Durante o lançamento do Programa Territórios da Cidadania, realizado na manhã de segunda-feira no Palácio do Planalto, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, recebeu uma carta assinada por 121 organizações não-governamentais, movimentos sociais do campo, organizações indígenas e de comunidades locais. O documento pede a realização de audiências públicas presenciais nos estados e municípios para responder a consulta pública sobre o anteprojeto de lei de acesso aos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados (APL de acesso), cujo prazo para consulta termina em 28 de fevereiro.

O projeto que está sob consulta pública pretende regular o acesso a recursos genéticos e a conhecimentos tradicionais de povos indígenas e comunidades locais, bem como o direito de agricultores sobre acesso e uso de sementes locais. Também regula atividades de pesquisa, bioprospecção, direitos de patentes, criação de novos impostos, entre outros temas. O APL está em discussão a portas fechadas na Casa Civil desde 2003 e, nesse tempo, a sociedade civil organizada foi excluída do processo, embora tenha solicitado várias vezes transparência e espaço para integração.

Três cartas, nenhuma resposta

Em maio de 2007, movimentos sociais, organizações de povos indígenas e tradicionais, além de outras organizações da sociedade civil, protocolaram, em todos os ministérios que participavam das discussões, uma carta na qual solicitavam audiência à Casa Civil, para participarem da conversa. Mas, até agora, o pedido não foi respondido.

Logo após o lançamento da consulta pública por internet, no final do ano passado, as entidades protocolaram novo pedido à Casa Civil (e em todos os ministérios relacionados ao tema), reivindicando um processo de consulta mais amplo, já que a proposta lançada pela internet, no período entre o Natal e o Carnaval, não teria condições de alcançar o conjunto da sociedade diretamente afetada por seus dispositivos (entre eles um grande número de agricultores familiares, povos indígenas, comunidades quilombolas e locais), seja pela falta de acesso à internet ou pela complexidade do assunto, que demandaria mais tempo para análise. A carta solicitava novo prazo e a realização de audiências públicas presenciais nos estados e municípios para discussão do APL com os povos tradicionais. O novo pedido tampouco foi respondido.

A terceira carta (veja no final do texto), entregue esta semana à ministra Dilma Roussef e protocolada na Casa Civil e na Presidência da República, questiona novamente o processo restritivo de consulta por correspondência, que impede aos brasileiros sem acesso a correio eletrônico de “aportar suas considerações sobre tema tão caro e que reflete diretamente suas práticas, culturas, cotidianos e patrimônios.”

O documento denuncia ainda que o processo de consulta e as propostas contidas na lei contrariam direitos assegurados em instrumentos internacionais ratificados pelo Brasil, como os que são dispostos na Convenção da Diversidade Biológica da ONU (CDB), na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, no Tratado Internacional de Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e Agricultura da FAO (TIRFAA-FAO) e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que reconhecem o direito dos povos indígenas e agricultores familiares à consulta prévia.

O texto demanda a reformulação do anteprojeto de lei e critica a divisão artificial da biodiversidade em agrícola e não-agrícola. Também denuncia o conteúdo do APL que restringe as atividades científicas, cerceia o direito a participação na gestão do sistema de acesso (assegurados pela CDB e pelo TIRFAA-FAO) e impede o exercício pleno dos direitos garantidos na Constituição Federal, entre outros pontos.

Além disso, a carta mais recente da sociedade exige apenas o que já é direito reconhecido e consolidado pelo Brasil em âmbito internacional: um processo transparente e inclusivo de consulta pública que garanta aos povos indígenas, quilombolas, comunidades locais, agricultores familiares (diretamente afetados pelas iniciativas em discussão), bem como a todo o conjunto da sociedade sem acesso à internet, “a oportunidade de conhecer o projeto de lei e tempo suficiente para compreender, discutir e formular suas propostas.”

Embora o governo federal reconheça a necessidade de prorrogar o prazo não se comprometeu, até o momento, a realizar um processo mais transparente e participativo de consulta pública, por meio de audiências presenciais, o que a sociedade brasileira e internacional espera da Casa Civil.

Leia abaixo a última carta:
CARTA DA SOCIEDADE REQUERENDO AUDIÊNCIAS PÚBLICAS PRESENCIAIS NOS ESTADOS PARA RESPONDER À CONSULTA PÚBLICA SOBRE PROJETO DE LEI DE ACESSO A RECURSOS GENÉTICOS E CONHECIMENTOS TRADICIONAIS ASSOCIADOS

Ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República

C/C:

Excelentíssima Senhora Ministra da Casa Civil

As entidades da sociedade civil abaixo assinadas, reiterando o disposto na Declaração do Rio Negro e na “Carta da sociedade por um projeto de lei de acesso a recursos genéticos, repartição de benefícios e proteção de conhecimentos tradicionais democrático, justo e eqüitativo”, protocoladas em 2007 na Presidência da República e na Casa Civil, vêm reivindicar a prorrogação do prazo da consulta pública sobre o ante-projeto de lei de acesso a recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados, e a realização de audiências públicas presenciais nos estados e municípios.

A consulta pública apenas por Internet, publicada no Diário Oficial do dia 28 de novembro de 2007, limita a participação do conjunto da sociedade brasileira e de atores sociais diretamente afetados nas discussões referentes à formulação do marco legal sobre acesso a recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados, e os impede de aportar suas considerações sobre tema tão caro e que reflete diretamente suas práticas, culturas, cotidianos e patrimônios.

A relevância da matéria recomenda sua ampla divulgação, para que todos possam contribuir para o seu aperfeiçoamento. No entanto, uma consulta que trata de tema tão complexo deveria ter um prazo maior, com discussões presenciais nos estados e municípios, para que os povos indígenas, quilombolas, comunidades locais e agricultores familiares, diretamente afetados pelas iniciativas em discussão, disponham de oportunidade de conhecer o projeto de lei e tempo suficiente para compreender, discutir e formular suas propostas.

O conteúdo do projeto de lei é caracterizado por uma linguagem inacessível para muitos dos brasileiros não familiarizados com termos técnicos-científicos ou linguagem jurídica. O conteúdo do projeto de lei sob consulta não é de fácil compreensão, apresenta 142 artigos que versam desde os direitos de populações tradicionais e o uso de seus recursos e conhecimentos; a coleta e remessa de material genético brasileiro para o exterior; passando por criação de novos impostos, pesquisa, desenvolvimento e mecanismos de proteção intelectual; sanções penais e administrativas.

Além disso, o projeto de lei apresenta disposições restritivas que impedem o exercício pleno dos direitos garantidos na Constituição Federal e demais instrumentos legais (nacionais e internacionais). O projeto de lei cria uma divisão arbitrária e ilógica entre biodiversidade e biodiversidade agrícola, posto que a primeira engloba a segunda; ao mesmo tempo em que desconhece a realidade tecnológica contemporânea, já que as biotecnologias modernas permitem transpor não só os limites entre espécies, mas também as finalidades de seus usos potenciais, razão pela qual a divisão revela-se puramente artificial. O sistema proposto no projeto de lei restringe a participação da sociedade civil na gestão do sistema de acesso e repartição de benefícios, contrariando o disposto na Convenção da Biodiversidade da ONU, na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e no Tratado Internacional de Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e Agricultura da FAO, cujos conteúdos esta lei se presta a implementar, além de contradizer a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que entre outros direitos reconhece o direito à consulta prévia dos povos indígenas e agricultores familiares, instrumentos internacionais ratificados pelo Brasil.

O projeto de lei trata de forma desigual povos e segmentos sociais que compartilham conhecimentos e recursos da biodiversidade, garantindo direitos a uns em detrimento de outros; cria dois sistemas de gestão de recursos genéticos que, além de apresentarem sobreposição de competências, não dialogam, são contraditórios e cerceiam arbitrariamente a geração de conhecimentos científicos, por um lado, e a proteção e o exercício dos direitos, por outro. Somos contrários a essa divisão e a criação de sistemas paralelos conflitantes.

Como um todo, o texto do projeto de lei é contrário às atividades científicas, de tal forma que sua aprovação implicará em danos irrecuperáveis para a pesquisa, ensino e desenvolvimento tecnológico e industrial do Brasil; além de limitar, por meio de definições demasiadamente restritivas, o reconhecimento e o exercício das práticas costumeiras de agricultores familiares, povos indígenas, comunidades quilombolas e locais.

Entendemos que o projeto de lei ora apresentado deva ser amplamente reestruturado com a participação efetiva de todos os setores da sociedade diretamente afetados por seus dispositivos, observando os princípios aqui citados e respeitando os direitos já consolidados.

Pelas razões expostas, as organizações subscritas reivindicam a ampliação do prazo da Consulta Pública, estendendo seu prazo e garantindo recursos para estabelecer um processo amplo de discussão com toda a sociedade, por meio de consultas públicas presenciais, antes que o projeto de lei seja submetido ao Congresso Nacional, para que o mesmo não incorra em erros capazes de causar impactos negativos a amplos setores da sociedade, visando assim garantir um processo democrático e legítimo de elaboração do projeto de lei.

Brasília, fevereiro de 2008.

ABA- Associação Brasileira de Antropologia

ABONG - Associação Brasileira de ONGs

AMAZONLINK.ORG

Amigos da Terra - Amazônia Brasileira

ANA – Articulação Nacional de Agroecologia

APREMAVI – Associação de Preservação do Meio Ambiente do Alto Vale do Itajaí

Articulação PACARI

AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa

CONTAG – Confederação Nacional de Trabalhadores da Agricultura

ESPLAR – Centro de Pesquisa e Assessoria

FAOR - Fórum da Amazônia Oriental

FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional

FETRAF - Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar

FOIRN - Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro

FÓRUM DE POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS

FVA - Fundação Vitória Amazônica

GIAS - Grupo de Intercâmbio em Agricultura sustentável do MT

GREENPEACE

KANINDÉ - Associação de Defesa Etnoambiental

ICV – Instituto Centro de Vida

IDEC – Instituto de Defesa do Consumidor

IIEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil

INBRAPI – Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual

INESC - Instituto de Estudos Socioeconômicos

ISA – Instituto Socioambiental

ISPN – Instituto Sociedade, População e Natureza.

MHF - Movimento Hip Hop da Floresta

MMC - Movimento de Mulheres Camponesas

MPA - Movimentos de Pequenos Agricultores

MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

OELA - Oficina Escola de Lutheria da Amazonia

TERRA DE DIREITOS

Unipop _ Intituto Universidade Popular

Vitae Civilis -Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz

Organizações de povos tradicionais:

AABPI - Associação Agroextrativista Poyanawa do Barão e Ipiranga

AAIMTT - Associação dos Agentes Indígenas da Medicina Tradicional de Taracuá

AAISARN – Associação dos Agentes Indígenas de Saúde do Alto Rio Negro

AAMI - Associação de Artesãs do Médio Içana

AAPID – Associação Arte Poranga Indígena de Dabaru

ABRIC - Associação dos Baniwa do Rio Içana e Cuiari

ACEP - Associação do Conselho Escolar da Pamáali

ACIBRN - Associação das Comunidades Indígenas do Baixo Rio Negro

ACIMET - Associação das Comunidades Indígenas do Médio Rio Tiquié

ACIMRN - Associação das Comunidades Indígenas do Médio Rio Negro

ACIPK - Associação das Comunidades Indígenas de Potyro Kapuamo

ACIR - Associação das Comunidades Indígenas Ribeirinhas

ACIRA - Associação das Comunidades Indígenas do Rio Ayari

ACIRC - Associação das Comunidades Indígenas do Rio Castanho

ACIRJA - Associação da Comunidade Indígena do Rio Japú

ACIRNE - Associação das Comunidades Indígenas do Rio Negro

ACIRP – Associação das Comunidades Indígenas do Rio Preto

ACIRU - Associação das Comunidades Indígenas do Rio Umari

ACIRX - Associação das Comunidades Indígenas do Rio Xié

ACITRUT - Associação das Comunidades Indígenas de Taracuá Rio Uaupés e Tiquié

ACOSMO - Associação Comunitária Shanenawa de Morada Nova

AEIDI - Associação dos Educadores Indígenas do Distrito de Iauaretê

AEITEP – Associação da Escola Enuyumãkine Pamuri ma´as

AEITU - Associação da Escola Indígena Tuyuca Utapinopona

AIBARN - Associação Indígena Baré do Alto Rio Negro

AIBRI - Associação Indígena do Baixo Rio Içana

AIDCC - Associação Indígena de Desenvolvimento Comunitário de Cucuí

AILICTIDI – Assoc. Indígena da Língua e Cultura Tariana do Distrito de Iauaretê

AIN - Associação Indígena Nukini

AINBAL - Associação Indígena de Balaio

AISPI - Associação Indígena de Saúde Pública de Iauaretê

AKAC - Associação Katukina do Campinas

AMIBI - Associação das Mulheres Indígenas do Baixo Içana

AMIBV - Associação das Mulheres Indígenas de Bela Vista

AMIDI - Associação das Mulheres Indígenas do Distrito de Iauaretê

AMIM - Associação das Mulheres Indígenas de Maracajá

AMIPC - Associação das Mulheres Indígenas de Pari-Cachoeira

AMITRUT - Associação das Mulheres Indígenas de Taracuá Rio Uaupés e Tiquié

AMJIRU – Associação do Movimento de Jovens Indígenas do Rio Umari

APAI – Associação dos Pescadores Artesanais de Iauaretê

APAIH - Associação do Povo Arara do Igarapé Humaitá

APIARN – Associação dos Professores Indígenas do Alto Rio Negro

APKANE - Associação dos Produtores Kaxinawá da Aldeia Nova Erontania

APMCEIT – Associação dos Pais e Mestres e Comunitários da Escola Indígena Tariana de Iauaretê

APMCIESM - Ass. dos Pais e Mestres da Comunidade Indígena da Escola S. Miguel

APMEIT – Associação dos Pais e Mestres da Escola Indígena Tiradentes do Rio Aiari e Içana

APRIDI - Associação dos Produtores Rurais Indígenas do Distrito de Iauaretê

APROINV - Associação dos Produtores Indígenas de Nova Vida

APROKAP - Associação dos Produtores Kaxinawá da Aldeia Paroá

ASEKK - Associação da Escola Khumuno Wuu Kotiria

ASIBA - Associação Indígena de Barcelos

ASKARJ - Associação dos Seringueiros Kaxinawá do Rio Jordão

ASPIRH - Associação do Povo Indígena do Humaitá

ASSAI – Associação dos Artesões Indígenas

ATIDI - Associação dos Trabalhadores Indígenas do Distrito de Iauaretê

ATRIART - Associação das Tribos Indígenas do Alto Rio Tiquié

AYRCA - Associação dos Yanomami do Rio Cauburis

CEMEM -Cooperativa Ecológica das Mulheres Extrativistas do Marajó

CERCI - Centro de Estudos de Revitalização da Cultura Indígena

CERIC - Cacique Escolar do Rio Içana e Cuiari

CIEDT - Coordenadoria Indígena de Esportes do Distrito de Taracuá

CIPAC - Comunidades Indígenas de Pari-Cachoeira

CITBRT - Comissão Indígena dos Trabalhadores do Baixo Rio Tiquié

COPIARN – Conselho dos Professores Indígenas do Alto Rio tiquié

CPCMTU - Centro de Preservação Cultural e Medicina Tradicional dos Umukorimahsã

FEPHAC - Federação do Povo Hunikui do Acre

GTAT - Grupo de Trabalho Artesanal de Tantalita

MAPKAHA - Manxineryne Ptohi Kajpaha Hajene

OCIARN - Organização das Comunidades Indígenas do Alto Rio Negro

OCIDAI - Org. das Comunidades Indígenas do Distrito de Assunção do Içana

OIBI - Organização Indígena da Bacia do Rio Içana

OIBV - Organização Indígena de Bela Vista

OICAI - Organização Indígena dos Curipacos do Alto Içana

OICI - Organização Indígena do Centro de Iauaretê

OIDIS - Organização Indígena para Desenvolvimento Sustentável

ONIARP - Organização das Nações Indígenas do Alto Rio Papuri

ONIKARVA – Organização das Nações Indígenas dos Kubeos do Alto Rio Vaupés

OPIRE - Organizaçao dos Povos Indigenas do Rio Envira

OPIRJ - Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá

OPITAR - Organização dos Povos Indígenas de Tarauacá

SITOAKORE - Organização das Mulheres Indígenas do Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia

3TIIC – Três Tribos Indígenas de Igarapé Cucura

UMIRA - União das Mulheres Indígenas do Rio Ayari

UNIB - União das Nações Indígenas Baniwa

UNIDI - União das Nações Indígenas do Distrito de Iauaretê

UNIMRP - Organização das Nações Indígenas do Médio Rio Papuri

UNIRVA - União das Nações Indígenas do Rio Vaupés Acima

(ISA, 26/02/2008)



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