Essa é uma história meio longa e que pra mim não teve fim e por isso demorei tanto para colocar aqui no blog, mas vamos lá. Em novembro estive conversando com um amigo de faculdade sobre a “aventura” dele trabalhando na República Dominicana e eis que eu mandei o mail que reproduzo abaixo para o editor da
Revista Idéia Socioambiental. Segue logo abaixo a resposta que recebi do editor.
Líderes da Sustentabilidade?Olá Ricardo,
Na verdade nem sei bem como começar esse mail, mas vamos lá... Sou uma leitora recente da Revista Idéia Socioambiental e gostei muito de ver a última reportagem sobre líderes da sustentabilidade. Achei fantástico saber como pensam as pessoas que trabalham pela tão sonhada sustentabilidade no país e descobrir algumas empresas que tem tentado seguir esse caminho.
Bom, eu sou geóloga e semana passada um amigo meu, também geólogo, acabou de voltar da Republica Dominicana onde trabalhava numa empresa de construção civil. Após uma série de problemas de saúde, ele retornou com um mês de licença medica. Hoje telefonei para ele pra saber a saga depois de 14 meses naquele país, sendo o ultimo mês passado por uma pneumonia, uma intoxicação alimentar e uma cirurgia de apendicite.
É chocante, pra dizer no mínimo, o relato do meu amigo... Condições de trabalho péssimas, degradação ambiental total, desrespeito generalizado aos trabalhadores... A intoxicação alimentar que meu amigo teve foi uma intoxicação que todos os trabalhadores da obra tiveram por causa das condições da comida servida pela empresa. Aqüíferos sendo literalmente secados por conta da obra que estava sendo realizada, lixo sem o menor tratamento sendo despejado em rios, equipamentos de produção individual regulado para os trabalhadores...
Mas o dado que mais me chocou foi q ele só trabalhava para uma empreiteira de uma obra da Odebrecht. Entende a relação com a reportagem sobre líderes da sustentabilidade? Um dos entrevistados é ninguém mais que
Norberto Odebrecht.
Poxa, eu e meu amigo temos 26 anos, estamos no inicio de carreira e quando vemos coisas como essas acontecendo me faz perder as esperanças na sustentabilidade e um futuro melhor para se um dia eu tiver filhos... Será que a população em geral está certa mesmo dizendo que tudo esse papo de responsabilidade sociambiental não passa de marketing?
Não sei Ricardo, se você é a pessoa mais indicada para eu estar contando isso, provavelmente não será a única que vou repassar esse mail, mas me senti na obrigação de fazê-lo uma vez que a sua revista tem o apoio dessa instituição. E como eu acredito que as coisas podem ser diferente, que a sustentabilidade é possível não pude deixar de te enviar esse mail.
Obrigada,
A resposta:Claudia, minha cara.
Não perca as esperanças não. Você é um profissional bastante jovem. E creia: o movimento de sustentabilidade que está tomando corpo entre as empresas de todo mundo é algo que veio para ficar. E que vai gerar benefícios para todos nós, não tenha dúvida disso. Acredito profundamente nisso. Mas como toda mudança de paradigma civilizatório, certamente levará algum tempo para que as coisas se encaixem, práticas antigas sejam mudadas, princípios revistos enfim... Não tenho informações para fazer um julgamento do caso que vc menciona em seu e-mail. Mas vou procurar levantar.
Um grande abraço.
Ricardo VoltoliniNão mandei o mail só para ele, mandei também para a
Amélia Gonzalez editora do caderno
Razão Social do O Globo. Eis a resposta que ela me mandou:
Claudia
Evidentemente que o assunto me interessa. Vou tentar lhe explicar como vejo esse tipo de coisa: nenhuma empresa pode se considerar socialmente sustentável. Essas palavras não são minhas, mas do próprio diretor do Ethos, Paulo Itacarambi. Como o movimento ainda é recente - falamos de uma década - ainda estamos num processo em que várias coisas estão sendo aprendidas. Entre elas, lidar com a tal da cadeia produtiva... Que nada mais é do que as empresas que trabalham para uma empresa maior, só que longe "dos olhos do dono".
Sendo assim, agem de maneira inadequada, muitas vezes apenas replicando o mau exemplo do próprio país, e carregam a bandeira da empresa maior. Uma das sugestões do Ethos é que as grandes empresas mantenham a cadeia produtiva sob olhar atento.
Recentemente isso aconteceu com a Vale, que andou cortando o fornecimento de minério de siderúrgicas no Pará que trabalhavam com carvoarias com trabalho escravo (veja como a cadeia é grande...). Se você tiver tempo, dá uma olhada nos posts sobre a Vale que venho botando para anunciar as medidas.
Ou seja: dizer que a
Odebrecht não tem culpa neste "cartório" que você descreve aí, seria uma inverdade. Mas, como estamos em processo, pode ser que ela ainda não saiba como lidar com esse tipo de atitudes na cadeia produtiva.
E, como depende de nós mesmos, cidadãos comuns, não só acreditarmos que é possível haver responsabilidade social como apontarmos os problemas, discuti-los, (sem vilanizar ninguém para que não se tornem apenas denúncias que se esgotam) e oferecer sugestões, eu sugiro a você: por que não põe este texto, exatamente como está, no Blog da Razão? Se vc me permitir, eu faço isso, assinado por você mesmo. Pode ser uma forma de a empresa começar a se movimentar. Ao menos uma resposta ela daria, já que eu acionaria a assessoria de imprensa para que soubessem do ocorrido.
Topa?
No aguardo de um retorno
AméliaConversei com meu amigo sobre o assunto, afinal a história não era minha e não podia sair contanto por aí sem a permissão dele, depois de conversarmos ele topou, mas achei melhor omitir que somos geólogos e coloquei que as informações obtive por meio de pesquisas.
Resumindo o papo, não aconteceu nada e cansada de esperar resolvi publicar aqui... Mandei o mail reformulado e a Amélia deve ter esquecido do assunto, ela ficou de pensar na melhor forma e até hoje nada. E você acha que o Ricardo Voltolini deu algum retorno de algum levantamento que ele vez? Não para mim... Ficou tudo por isso mesmo, nem sequer a empresa foi incomodada com o assunto. Eu só gostaria de ter algumas fotos para poder mandar para eles pedindo explicações, mas eu não tenho, nem meu amigo. Enquanto isso ficamos aqui lendo blogs, e-mail revistas e discutindo a sustentabilidade das empresas, e quem sabe um dia ela chegue em lugares ermos onde acontecem as obras de infra-estrutura tão clamadas pelos governos do mundo todo.
(Por Claudia Chow,
Blog Ecodesenvolvimento, 26/2/2008)