Modificação na Constituição Federal que vem sendo gestada no Ministério do Meio Ambiente pode significar retrocesso na área dos licenciamentos.Uma proposta que está sendo articulada pelo Ministério do Meio Ambiente – a atribuição de funções de licenciador a consórcios intermunicipais – pode diminuir significativamente os avanços conseguidos até agora no processo de regulamentação do artigo 23 da Constituição Federal, que disciplina as competências dos entes federados e pela primeira vez estabelece que os municípios têm competência originária para licenciar empreendimentos de impacto local.
A advertência foi feita pelo consultor ambiental Claudio Langone. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) está articulando em vários estados a formação de consórcios para a elaboração de planos e gestão integrada de resíduos sólidos, numa iniciativa que Langone considera extremamente positiva. O problema é a proposta do MMA de que esses mesmos consórcios também sejam responsáveis pelo licenciamento ambiental.. “Além de considerar que a proposta não tem sustentação legal, porque o licenciamento é prerrogativa exclusiva dos entes federados, não considero adequado atribuir ao consórcio a responsabilidade de licenciar o aterro que ele mesmo está empreendendo”, argumentou.
Langone, que foi secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, esteve em Porto Alegre em 16 de fevereiro para participar da Conferência Mundial sobre Desenvolvimento de Cidades realizada em Porto Alegre, na PUCRS. Ex-secretário de meio ambiente do Estado do Rio Grande do Sul, é atualmente consultor, entre outras, da Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente (ANAMMA) e da Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (ABEMA), responsável pelo acompanhamento do projeto de lei que regulamenta o artigo 23 da Constituição na área ambiental.
O risco de atribuir aos consórcios o licenciamento, na visão de Langone, é de que os prefeitos não se sintam estimulados a criarem suas secretarias ou órgãos municipais de meio ambiente. “E essa é uma dimensão tão importante para a qualidade de vida das cidades como é a da saúde, do transporte e de outras áreas que já estão estruturadas”, afirmou. Num momento em que a municipalização é o grande passo que falta para a consolidação do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), a política do MMA deveria ser dirigida para a sensibilização dos prefeitos sobre a importância de criarem as secretarias e órgãos municipais de meio ambiente, inclusive porque a gestão ambiental compreende um conjunto de ações bem mais amplo que o licenciamento.
“Mas o licenciamento municipal é o principal instrumento de afirmação institucional do setor, além de ser uma fonte de arrecadação fundamental para o financiamento dos sistemas municipais de meio ambiente”, observa. Os protocolos assinados com alguns Estados são ainda cartas de intenções. Langone defende que esse tipo iniciativa deveria ser discutida pelo Ministério com as entidades representativas de meio ambiente dos estados e municípios.
Para o ex-secretário, há uma forte hegemonia desenvolvimentista clássica no país num momento em que a questão climática alerta para a necessidade de uma relação mais equilibrada de sustentabilidade. “No Brasil, a gente tem momentos cíclicos de discussão entre meio ambiente e desenvolvimento quando, de alguma forma, o licenciamento ambiental estabelece limites ou impedimentos para a instalação de algum empreendimento pontual, e esta não é a melhor forma de debate”, diz. “O tema só será efetivamente resolvido quando o país tiver uma agenda de planejamento de políticas de desenvolvimento de médio e longo prazo”.
Langone alerta que a emergência da questão climática é um divisor de águas tão importante quanto foi a Rio 92. “Hoje qualquer pessoa comum tem a dimensão de limite e sabe que o modelo que se está implementando vai levar o planeta a uma situação de agravamento da qualidade de vida e das condições ambientais”. Ele se surpreendeu com a quase inexistente discussão do tema climático na Conferência Mundial de Cidades: “As cidades têm um papel importante nisso e muitas já têm iniciativas nessa área”.
O ex-secretário está convencido de que a raiz do problema que o Brasil tem a enfrentar está vinculada à não resolução do dilema desenvolvimento X meio ambiente. A própria discussão sobre desmatamento da Amazônia é uma tradução deste “dilema”: “Toda vez que surge uma situação de agravamento na Amazônia, a gente acaba caminhando para a idéia de que você resolve aquilo só com ação de polícia e fiscalização, e não vamos conseguir resolver o problema da Amazônia sem construir um novo modelo de desenvolvimento para a região”, explica.
Para Langone, o governo tem uma grande dificuldade de sair da esfera de controle e fiscalização e implementar de fato uma ação que congregue os vários ministérios – principalmente aqueles da área de desenvolvimento – para dar um outro sentido à agenda. “Uma das coisas mais importantes, por exemplo, que já foi anunciada várias vezes, mas nunca se concretiza, é o Ministério da Agricultura ter uma proposta para uma ocupação mais intensiva das áreas já convertidas da Amazônia. É tão difícil assim pra área da agricultura propor uma estratégia dessas no país? Ou há um problema aí de falta de vontade política?”, questiona.
(Por Clarinha Glock, Movimento Integridade /
Eco Agência, 25/02/2008)