Entre 1990 e 2005, a proporção de crianças com menos de cinco anos abaixo do peso caiu em um quinto. Mas esse progresso agora está ameaçado. A alta dos preços dos alimentos significa que a desnutrição e a fome ameaçarão novamente muitos daqueles que estão nos degraus inferiores da economia mundial. Apesar da improbabilidade das recentes altas nos preços serem permanentes, os países produtores devem parar de desperdiçar comida subsidiando biocombustíveis e começar a dar ao Programa Mundial de Alimentos os recursos que necessita para distribuir calorias para aqueles que não têm como obtê-las por conta própria.
Os preços internacionais de mercado para trigo, milho, soja e dezenas de outros commodities dobraram ou triplicaram nos últimos anos. O resultado é pobreza - para milhões, um dobrar do preço dos alimentos significa privação - e aumento da desnutrição. As autoridades do Programa Mundial de Alimentos disseram ao "Financial Times" que a agência poderá ser obrigada a reduzir as rações de alimentos, ou até mesmo o número de pessoas que atende, a menos que os doadores forneçam mais dinheiro para arcar com os preços mais altos.
Alguns fatores que estão afetando os preços para os pobres do mundo são claramente temporários. Safras ruins nos Estados Unidos e na União Européia nos últimos anos, mais a seca na Austrália, reduziram os estoques de grãos. Também uma redução em particular dos óleos e grãos comercializados internacionalmente, à medida que produtores como a Rússia introduziram cotas de exportação visando controlar os preços domésticos. Finalmente, a alta das tarifas de transporte tornou os alimentos ainda mais caros para os países mais pobres, importadores, que precisam comprar mais.
Outros fatores sugerem uma mudança mais permanente. A produção de alimentos consome energia - para o maquinário, para o transporte e acima de tudo para a fabricação de fertilizante - e se os preços do petróleo permanecerem altos, isto terá um efeito duradouro sobre o alimento.
Reduções aos subsídios para produção de alimento, principalmente na União Européia, também terão um efeito permanente sobre a oferta.
Mas a maior mudança estrutural vem dos biocombustíveis. No espaço de poucos anos, os Estados Unidos desviaram cerca de 40 milhões de toneladas de milho para produção de bioetanol - cerca de 4% da produção global de grãos forrageiros. O rápido crescimento se deve em grande parte aos subsídios - que devem acabar. Os benefícios ambientais do biocombustível de milho são, na melhor hipótese, ambíguos e não devem ser colocados à frente da produção de milho como alimento.
Mas estas pressões fundamentais não devem ser causa de desespero. Há 20 anos havia alertas de que o crescimento econômico da China e da Índia, e, conseqüentemente, o aumento do consumo de calorias, levaria a uma escassez devastadora de alimentos. Até o momento, a China conseguiu atender a mudança da dieta de sua população para carne.
Há sérios desafios para o aumento da produção de alimentos: limitação de terras disponíveis, degradação do solo e acesso à água entre eles. Mas não apenas novas tecnologias como modificação genética estão aumentando a produção, mas também o esforço para aumentar a produtividade em áreas como a ex-União Soviética, para alcançar o nível dos produtores mais produtivos.
Ao longo dos próximos anos, portanto, os preços deverão estabilizar à medida que aumentar a oferta e os estoques forem refeitos. Enquanto isso, os governos que estão subsidiando os biocombustíveis precisam ajudar a financiar o Programa Mundial de Alimentos. O mundo possui alimento suficiente para alimentar a todos - se houver vontade de fazê-lo.
(Editorial do Financial Times, tradução de George El Khouri Andolfato, UOL, 26/02/2008)